Ao longo dos últimos
30 anos, dedicando boa parte do meu tempo ao estudo e produção
de jogos de computador, esbarrei em inúmeras situações
que me obrigaram a um exercício intenso de introspecção
e avaliação. No final das contas, a questão
se resumia quase sempre a um simples enunciado: mas que
raios de formato ou metodologia é necessária
à priori, para que a diversão ou melhor a
experiência lúdica do jogador se torne plena
e satisfatória?
Adianto que nunca encontrei
uma resposta para tal questão, mas desconfio que
andei esbarrando, de tempos em tempos, em algumas possibilidades
interessantes e dentre elas a que mais me inspirou a ter
esperanças por uma solução real foi
uma relacionada à narrativa nos jogos.
Arthur Protasio,
coordenador do projeto Game
Studies do Centro de Tecnologia
e Sociedade (CTS) da Fundação
Getúlio Vargas (RJ), compilou em dois vídeos
imprescindíveis para quem pretende “entender”
de criar jogos a questão das narrativas na mídia
interativa (no caso jogos), propostos por Tom Bissell
(no livro Extra Lives) e Eric Zimmerman
(no livro Rules of Play). Na visão de Protasio,
a interatividade dos jogos nos impõe duas narrativas,
ou dois tipos de narrativa: a emergente e a embutida.
A narrativa embutida, no entender
desses pensadores, seria todo o conjunto temático,
regras e enredos pré definidos do jogo e a narrativa
emergente seria a experiência individual de cada jogador,
contada a partir das suas próprias experiências
ao jogar e que sempre variam de jogador para jogador ou
mesmo entre “jogadas” de um mesmo jogador.
Os vídeos, para quem
quiser se inteirar mais sobre o assunto podem ser assistidos
pelos links abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=SDHTis6vZWo
http://www.youtube.com/watch?v=0bsnrGv90eQ
Desconfio que é justamente
nessa questão que reside um bom pedaço da
resposta à pergunta: o que faz um jogo ser legal
e divertido e, na sequência, altamente “comprável”.
E para entender isso peço socorro a outro termo bastante
usado no mundo dos jogos: imersão.
O termo imersão se refere
à capacidade que um jogo tem de capturar a mente
do jogador a tal ponto que todo o resto ao seu redor deixe
de (literalmente) existir. Quanto mais imersivo, quanto
mais “dentro” do jogo, mais a experiência
de jogar se torna prazerosa.
Dessa forma, a narrativa embutida
seria o primeiro aspecto a ser levado em conta, na elaboração
de um grande sucesso no mundo dos
jogos. Certo? Nem tanto.
O que dizer de pong, de paciência,
de angry birds e tantos outros jogos que, quase sem nenhuma
narrativa embutida, se tornaram ícones clássicos
no mundo da diversão interativa? A resposta não
parece ser muito fácil e nem estar por perto, o que
nos obrigará fatalmente a continuar procurando.
Numa recente conversa com Arthur
Protasio, no evento Joga
Brasil, realizado no Rio de Janeiro em 2012,
propus uma questão baseada em minhas próprias
experiências de criação: seria possível
a um jogo ter uma ampla narrativa emergente, sem no entanto
ter uma narrativa embutida, mesmo que minúscula?
Ou seja, zero de narrativa embutida e 100 de narrativa emergente?
Evidentemente não chegamos
a nenhuma conclusão prática, mesmo depois
de um bom tempo debatendo o assunto. A questão permanece
portanto em aberto e explicarei a seguir de onde ela surgiu.
Ao longo dos anos, portando
o adventure Amazônia
para ambientes e plataformas diversas, quase sempre me deparava
com uma situação interessante: no jogo, há
um abismo a ser transposto pelo jogador, para que o mesmo
acesse outras partes do cenário.
A solução para
esse quebra cabeça variou ao longo dos anos e versões,
ou seja, numa a solução vinha da construção
de uma “ponte” (troncos + corda + machado) noutra
da simples colocação do tronco no abismo,
usando-o como ponte. Em outras a solução passou
pela criação de uma “pinguela”
usando bambu, corda e facão e na mais recente o uso
de uma tábua, servindo como ponte. Todos estes objetos
sempre estiveram presentes no jogo (desde o início).
Apenas usei combinações diferentes em ocasiões
diferentes.
Como parte da narrativa embutida,
eu podeira sofisticar o jogo a ponto de permitir todas essas
soluções ao mesmo tempo, ficando a cargo da
vontade do jogador (narrativa emergente) qual delas usar.
Porém, todas estarão
presentes, pensadas, organizadas e programadas. E se o jogador
pensar numa outra forma atravessar o abismo? Numa forma
que eu não previ? Teria que produzir então
uma nova versão do jogo, incorporando essa possibilidade?
Lembre-se estamos tentando ampliar a experiência lúdica
do jogador.
E se, ao invés disso,
eu criasse um sistema que permitisse ao jogador “ensinar”
ao jogo como criar uma solução? Uma ultra,
super, driper, turbinada narrativa emergente sem quase nenhuma
narrativa embutida, pois à priori, nada estaria definido
no jogo.
O jogo vai pensar por si só?
Heim? Heim? Heim?
Daí o título
deste artigo: não estou e nem quero criar a skynet.
Estou propondo apenas pesquisar as formas de narrativa e
no processo produzir alguns experimentos que nos levem a
entender melhor esse balanceamento entre o produto e a diversão
que ele produz.
Se nos divertirmos nessa jornada,
já terá valido a pena o esforço.
Então leitor, está
nessa?
Nota
1: skynet é o nome
da rede de computadores que assume o comando do mundo e
cria os exterminadores do futuro.
Nota
2: esta série de artigos teóricos
visa propor um debate e experimentos, dentro do ambiente
do Zeus, com o objetivo de conhecer melhor
os segredos da criação de jogos.