O Boteco do Seu João

Nunca falha.

Todos os meses um velho caixeiro viajante, passa pelo meu boteco, que fica na estrada um pouco distante da pequena cidade de Morro Velho. Ponto de parada obrigatório para quem transita naquela estradinha de terra batida, ele sempre traz histórias do mundo das cidades grandes.

Curiosamente, é sempre à noite, quando todo mundo para para tomar um gole de pinga e esperar a meia noite passar. Não que isso seja um problema, mas é melhor prevenir.

Ao que parece ele era da região desde criança e se for perguntado, sempre tem uma história dos "velhos tempos", quando as diferenças eram resolvidas na bala. Hoje nada mais é assim, mas ficou a lembrança desses tempos.

De vez em quando ele conta uma velha passagem de desavença entre um coronel da Guarda Nacional e um engenheiro, que veio fazer carreira por essas bandas.

Coronel Francisco Orlando, certa feita deu um pedaço de terra pro engenheiro construir sua casa, já que ele tinha se engraçado com a filha do Coronel e iam se casar em breve.

Durante o tempo da revolução, tanto o coronel quanto o Dr Carlos, o engenheiro, esconderam uma fortuna em ouro, pro governo federal não tomá-la, em nome da guerra.

Tempos depois ocorreu um desentendimento sério entre eles e o Dr Carlos desapareceu por completo. Sua esposa, a filha do coronel foi mandada para a Europa e o próprio coronel acabou ficando louco e se matando.

As terras do engenheiro ficaram abandonadas por décadas, até que uma mata cresceu ao redor da casa, formando o capão que fica aqui atrás do meu boteco.

O caixeiro viajante alega saber onde pode estar o tesouro, mas quando é perguntado porque ele não vai lá pegar o ouro, ele desconversa, fala umas coisas sem o menor sentido, como vultos, olhos vermelhos na mata, gritos ensurdecedores e coisas desse tipo.

Termina sempre dizendo que tentou ir lá por três vezes e nas três ele voltou horrorizado, desorientado e morrendo de medo do que teria encontrado. Tanto que se insistirmos, ele muda de assunto e não fala mais nada sobre isso.

Sei o que está pensando.

Ao longo dos anos, vários "corajosos" tentaram entrar no capão para encontrar a casa do engenheiro e quem sabe o ouro que foi escondido lá. Se é que foi lá mesmo que esconderam.

Durante o dia ninguém nunca encontrou nada então surgiu essa lenda de que a busca teria que ser feits na calada da noite, de preferência por volta da meia noite.

Todo mundo que escuta essa história acaba acreditando que é capaz de encontrar esse tesouro e ficar rico. Mas não se tem notícia de que alguém já tenha conseguido ou mesmo de que esse ouro de fato exista.

Porque nunca fui procurar?

Quem disse que não fui? Além do mais, essa história me rende uma freguesia constante de bebuns, pro meu boteco seguir aberto. Principalmente à meia noite quando não se sabe ao certo o que está acontecendo lá fora, na escuridão macabra do capão.