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Ao
longo dos últimos 40 anos, dedicando boa parte do meu
tempo ao estudo e produção de jogos de computador,
esbarrei em inúmeras situações que me
obrigaram a um exercício intenso de introspecção
e avaliação. No final das contas, a questão
se resumia quase sempre a um simples enunciado: mas que raios
de formato ou metodologia é necessária à
priori, para que a diversão ou melhor a experiência
lúdica do jogador se torne plena e satisfatória?
Adianto que nunca encontrei uma resposta para
tal questão, mas desconfio que andei esbarrando,
de tempos em tempos, em algumas possibilidades interessantes
e dentre elas a que mais me inspirou a ter esperanças
por uma solução real foi uma relacionada à
narrativa nos jogos.
Arthur Protasio, coordenador do projeto Game
Studies do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação
Getúlio Vargas (RJ), compilou em dois vídeos
imprescindíveis para quem pretende “entender”
de criar jogos a questão das narrativas na mídia
interativa (no caso jogos), propostos por Tom Bissell (no
livro Extra Lives) e Eric Zimmerman (no livro Rules of Play).
Na visão de Protasio, a interatividade
dos jogos nos impõe duas narrativas, ou dois tipos
de narrativa: a emergente e a embutida.
A narrativa embutida, no entender desses pensadores,
seria todo o conjunto temático, regras e enredos
pré definidos do jogo e a narrativa emergente seria
a experiência individual de cada jogador, contada
a partir das suas próprias experiências ao
jogar e que sempre variam de jogador para jogador ou mesmo
entre “jogadas” de um mesmo jogador.
Os vídeos, para quem quiser se inteirar
mais sobre o assunto podem ser assistidos pelos links abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=SDHTis6vZWo
http://www.youtube.com/watch?v=0bsnrGv90eQ
Desconfio que é justamente nessa questão
que reside um bom pedaço da resposta à pergunta:
o que faz um jogo ser legal e divertido e, na sequência,
altamente “comprável”. E para entender
isso peço socorro a outro termo bastante usado no
mundo dos jogos: imersão.
O termo imersão se refere à
capacidade que um jogo tem de capturar a mente do jogador
a tal ponto que todo o resto ao seu redor deixe de (literalmente)
existir. Quanto mais imersivo, quanto mais “dentro”
do jogo, mais a experiência de jogar se torna prazerosa.
Dessa forma, a narrativa embutida seria o
primeiro aspecto a ser levado em conta, na elaboração
de um grande sucesso no mundo dos jogos. Certo? Nem tanto.
O que dizer de pong, de paciência, de
angry birds e tantos outros jogos que, quase sem nenhuma
narrativa embutida, se tornaram ícones clássicos
no mundo da diversão interativa? A resposta não
parece ser muito fácil e nem estar por perto, o que
nos obrigará fatalmente a continuar procurando.
Numa recente conversa com Arthur Protasio, no evento Joga
Brasil, realizado no Rio de Janeiro em 2012,
propus uma questão baseada em minhas próprias
experiências de criação: seria possível
a um jogo ter uma ampla narrativa emergente, sem no entanto
ter uma narrativa embutida, mesmo que minúscula? Ou
seja, zero de narrativa embutida e 100 de narrativa emergente?
Evidentemente não chegamos a nenhuma
conclusão prática, mesmo depois de um bom
tempo debatendo o assunto. A questão permanece portanto
em aberto e explicarei a seguir de onde ela surgiu.
Ao longo dos anos, portando o adventure Amazônia
para ambientes e plataformas diversas, quase sempre me deparava
com uma situação interessante: no jogo, há
um abismo a ser transposto pelo jogador, para que o mesmo
acesse outras partes do cenário.
A solução para esse quebra cabeça
variou ao longo dos anos e versões, ou seja, numa
a solução vinha da construção
de uma “ponte” (troncos + corda + machado) noutra
da simples colocação do tronco no abismo,
usando-o como ponte. Em outras a solução passou
pela criação de uma “pinguela”
usando bambu, corda e facão e na mais recente o uso
de uma tábua, servindo como ponte. Todos estes objetos
sempre estiveram presentes no jogo (desde o início).
Apenas usei combinações diferentes em ocasiões
diferentes.
Como parte da narrativa embutida, eu podeira
sofisticar o jogo a ponto de permitir todas essas soluções
ao mesmo tempo, ficando a cargo da vontade do jogador (narrativa
emergente) qual delas usar.
Porém, todas estarão presentes,
pensadas, organizadas e programadas. E se o jogador pensar
numa outra forma atravessar o abismo? Numa forma que eu
não previ? Teria que produzir então uma nova
versão do jogo, incorporando essa possibilidade?
Lembre-se estamos tentando ampliar a experiência lúdica
do jogador.
E se, ao invés disso, eu criasse um
sistema que permitisse ao jogador “ensinar”
ao jogo como criar uma solução? Uma ultra,
super, driper, turbinada narrativa emergente sem quase nenhuma
narrativa embutida, pois à priori, nada estaria definido
no jogo.
O jogo vai pensar por si só? Heim?
Heim? Heim?
Daí o título deste artigo: não
estou e nem quero criar a skynet. Estou propondo apenas
pesquisar as formas de narrativa e no processo produzir
alguns experimentos que nos levem a entender melhor esse
balanceamento entre o produto e a diversão que ele
produz.
Se nos divertirmos nessa jornada, já
terá valido a pena o esforço.
Então leitor, está nessa?
Nota 1: skynet é o nome da rede de
computadores que assume o comando do mundo e cria os exterminadores
do futuro.
Nota 2: este artigo teórico visa propor
um debate e experimentos, dentro do ambiente do Gênesis,
com o objetivo de conhecer melhor os segredos da criação
de jogos.
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