Um pouco mais de teoria (é sempre bom)


Antes de entrarmos no assunto principal deste e-book, é preciso fazer uma diferenciação entre narrativas interativas (livro jogo) e adventures, já que no Gênesis, Micro Aventuras e aqui no Board-3 ambos os formatos são aceitos.

O termo narrativa interativa é aplicado a toda forma de exposição que permite ao leitor, espectador ou jogador uma interação. No caso, uma interferência nos procedimentos que compõem a narrativa, em oposição às narrativas lineares e sem essa dinâmica de interação, como nos livros e filmes.

No entanto, os livros jogo são comumente chamados de narrativas interativas, ou seja, uma história impressa (em meio físico ou digital) que pode ser alterada pelo próprio leitor. Nesses livros ou narrativas interativas, o leitor "vivencia" a experiência dos personagens.

Comumente ele se coloca na pele desses personagens sem no entanto "ser" um deles. Cada personagem, por mais interatividade que possua, irá ter uma condução mais ou menos equacionada durante a sua elaboração inicial (criação).

Já nos adventures, os personagens são de fato "vividos" pelos jogadores. O comportamento deles, embora regido por regras definidas na criação, pode literalmente reproduzir o que o jogador quiser. Daí darmos aos usuários essa distinção entre leitor e jogador.

 

O Tema

O tema de uma narrativa jogo é sem dúvida alguma a primeira grande decisão que o desenvolvedor toma. Ele serve para orientar o autor na construção dos objetivos primários da narrativa. Alguns exemplos de temas são:

Romance - trata basicamente de narrativas que abordam relações amorosas entre pessoas, podendo inclusive explorar todos os tipos de relações, como ódio, inveja, antipatia, desprezo, etc. Normalmente um tema dessas pode nem mesmo pressupor um desfecho claro para os envolvidos. Por Exemplo:

  //=== A namorada do meu amigo ====================
  //
  // Um jovem tímido sente uma atração irresistível
  // pela namorada do seu melhor amigo. Vivendo entre
  // a dor de ser ignorado e o amor pela menina,
  // ele terá que usar todos os recursos à sua
  // disposição para conseguir a atenção dela.


  //=== Amor Proibido ===============================
  //
  // Típico caso de amor entre duas pessoas que não
  // poderia acontecer, mas aconteceu e agora essas
  // pessoras precisam contornar as armadilhas que
  // os respectivos parentes irão colocar no caminho
  // da sua felicidade.

Conflito - geralmente são eventos envolvendo várias pessoas, podendo chegar ao extremo de uma guerra, disputa entre torcidas de algum esporte, diferenças políticas, etc. Por Exemplo:

  //=== A votação ===================================
  //
  // Prestes a iniciar uma votação sobre um projeto
  // polêmico porém necessário, o governo se vê na
  // situação de ter que usar métodos escusos na
  // obtenção dos apoios necessários. Compra de votos,
  // ameaças e até uma morte fazem parte desta
  // narrativa.


  //=== Até o Último Homem ==========================
  //
  // Você e seus aliados terão que defender uma
  // fortaleza da idade média, contra os invasores
  // bárbaros e evitar que as aldeias por perto
  // sofram com as atrocidades deles.

Terror - é um tema clássico das narrativas, tanto lineares quanto interativas. Normalmente utiliza como fontes do medo vampiros, zumbis ou algum outro modelo de monstro assassino. Explora sempre o medo, na maioria das vezes injustificado, dos jogadores. Por Exemplo:

  //=== Jovens Vampiros ============================
  //
  // Ambientado nos tempos atuais, 3 jovens curiosos
  // são contaminados por um estranho virus que os
  // transforam em seres sedentos por sangue humano.


  //=== O Lago Misterioso ==========================
  //
  // Várias mortes e desaparecimento são relacionadas
  // a um lago estranho, no meio de uma floresta.
  // Ninguém sabe ao certo que tipo de criatura
  // estaria vivendo nele, mas sabe-se que a região
  // é muito perigosa.

Aventura - é o tema que permite o maior leque de opções e tanto pode ser uma aventura em busca de um tesouro, da solução de um mistério ou até mesmo uma aventura exploratória, em especial as de ficção espacial. Por Exemplo:

  //=== Santo Graal =================================
  //
  // Um grupo de estudiosos sem em busca do Santo
  // Graal, o cálice usado por Jesus Cristo, na
  // última ceia.


  //=== A Lenda do Tesouro Perdido ==================
  //
  // Relatos antigos dão conta de que um navio que
  // transportava ouro e obras de arte, durante a
  // segunda guerra mundial, naufragou perto de uma
  // ilha. Você e outros exploradores foram
  // contratados para encontrar esses destroços.

Sobrevivência - outro tema clássico das narrativas, envolvendo alguma forma de sobreviver a algum evento, catástrofe ou uma decisão errada. Por Exemplo:

  //=== Gelo Fino ==================================
  //
  // Uma embarcação de pesquisa no ártico fica presa
  // entre duas massas de gelo e não suprimentos
  // suficientes para esperar pelo degelo. A salvação
  // está em tomar iniciativas ousadas e bem
  // planejadas.


  //=== Fuga Alucinada =============================
  //
  // Você fez parte de uma rebelião, numa prisão
  // isolada em uma ilha, e agora precisa encontrar
  // meios de não ser recapturado ou de escapar da
  // ilha.

A definição de um tema não implica necessariamente que ele deva ser observado até o final da criação. Por outro lado, mesclar temas, combinando as características de cada um, pode ser uma solução bem interessante.

No final das contas, definir um tema nos permite responder de imediato a pergunta mais comum sobre uma narrativa: o jogo é sobre o que?

 

O Visual

Ainda que uma narrativa interativa (ou livro jogo) seja construída com base no uso de textos, isto não quer dizer necessariamente que este texto deva ser formatado sem os cuidados básicos de uma diagramação elaborada.

O primeiro aspecto a ser observado, para textos que irão ilustrar e compor a narrativa, é o uso de famílias tipográficas, quanto ao espaçamento entre as letras.

Nos primórdios da informática, os microcomputadores utilizavam letras monoespaçadas, ou seja, a largura de todas as letras do alfabeto eram idênticas. Além disso, as alturas também eram idênticas. Observe o exemplo abaixo:

Note que todas as letras, independentemente da sua largura visual, estão alinhadas umas com as outras. O monoespaçamento produz distorções que comprometem inclusive a leitura do texto - note a palavra "instead" e como o "s" tem um espaço maior para o "t".

O uso dessa tipografia era impositivo por questões técnicas e de construção do computador e em alguns casos mais extremos, não havia acentuação para a língua portuguesa e até mesmo caixa baixa (letras minúsculas) obrigando assim que todo o texto fosse escrito em letras maiúsculas.

A partir da popularização dos sistemas operacionais gráficos e com o uso de fontes TrueType, nos anos 90, passou a ser possível a escolha da fonte a ser usada. Note no exemplo abaixo que até mesmo uma tipografia monoespaçada moderna tem um desenho de letra bem mais eficiente.

Além disso passou a ser possível alterar o espaçamento entre letras, aumentando assim os espaços entre elas, variar as entrelinhas, as cores tanto do fundo quanto do texto e principalmente as alturas das letras, compondo desta forma destaques específicos.

Tornou-se corriqueiro o uso de letras inclinadas (italic) espessura diferenciada (bold) e até mesmo rotação dos textos. Esses recursos podem auxiliar não apenas na leitura e compreensão do texto, como tornar o visual da narrativa bem mais atraente.

Mais uma vez: ainda que a narrativa interativa seja composta apenas por texto, nada impede que o visual final seja, além de eficiente, agradável à leitura.

 

Fontes Tipográficas

As narrativas interativas são essencialmente construídas com textos e portanto a escolha da família tipográfica deve estar alinhada com o tema do livro jogo. Você pode escolher entre alfabetos com ou sem serifa, monoespaçados, manuscritos, góticos, etc.

Vale lembrar que além de adequada, as famílias tipográficas devem proporcionar uma boa leitura aos textos, para que o leitor não se canse de percorrer os parágrafos do texto.

 

Painel do Jogo

O Gênesis, o Micro Aventuras e o Board-3 permitem que a narrativa interativa seja estruturada tanto numa tela exclusiva (fullscreen) como em modo janela e neste caso a utilização de um painel temático ajuda a compor o visual da produção. Alguns exemplos:



Os painéis são desenhados com áreas transparentes (cor fuchsia) e as áreas funcionais são definidas dentro das demais áreas desta imagem.

Os exemplos acima podem ser instalados na sua narrativa atual (em edição). Basta clicar na imagem desejada e, se estiver no navegador embutido no Board-3, a imagem .png será baixada na mesma pasta do jogo.

 

O Roteiro Da Narrativa

O roteiro de uma narrativa nada mais é do que o "mapa" do que pode acontecer durante a sua leitura. Esses fluxogramas são contruídos com pelo menos dois elementros distintos: a página estática (quadrado ou retângulo) e a página dinâmica (losango, etc).

A página estática nada mais faz do que direcionar obrigatoriamente o leitor para uma outra página. A página dinâmica permite que o leitor escolha a direção que deseja seguir, transformando assim a narrativa num emaranhado de possibilidades.

 

O Texto Como Elemento Fundamental

Ainda que a narrativa tenha imagens ilustrativas, o texto é um elemento muito importante e serve não apenas para complementar o que já foi declarado pelas imagens, mas também formar uma espécie de fio condutor entre os eventos, locais, personagens ou objetos da narrativa.

Veja no exemplo acima como podemos criar três formas distintas de nos referirmos a uma imagem, no caso um ogro. Percebe a grande diferença entre "O ogro" e "Um ogro" no que diz respeito ao tratamento formal de um personagem? A terceira opção é ainda mais evidente o destaque ao personagem. O mesmo pode ser aplicado a imagens, objetos e demais elementos da narrativa.

Nas aventuras textuais, ou que são criadas apenas com texto, ele é fundamental para a imersão do jogador afinal é o elo que o liga à aventura. De certa forma as pessoal acreditam que uma narrativa texto é mais fácil de ser feita, porém é justamente o contrário.

 

Imagens Ilustrativas

Ilustrar graficamente um local, uma situação, uma ação, um objeto ou mesmo um personagem é um dos recursos que pode estar presente numa narrativa interativa. Não dá pra negar que as imagens podem resumir bastante todo o trabalho de explicitar o que o jogador está vendo ou presenciando.

Mas é preciso ter um cuidado especial pois as imagens são, por assim dizer, retratos de um determinado momento. Raramente elas permitem que o jogador perceba algo mais, além do que é mostrado. No entanto, pelos padrões atuais de conteúdo gráfico visual, é inegável que narrativas interativas graficamente ilustradas tem um maior apelo comercial do que aquelas construidas apenas com texto.

Ainda assim, vale o esforço adicional de se beneficiar de ambos os modelos, de forma que num complemente o outro. No exemplo acima não é necessário descrever o local como "um pequeno lago, com uma ponte rústica, pedras ao seu redor e uma farta vegetação". Porém ao adicionar algo como "um vasta vegetação que pode esconder seres mágicos da floresta" você, como criador, está abrindo um leque de possibilidades que a parte gráfica não teria (facilmente) como resolver.

 

Objetos e suas complexidades

Em uma estrutura de narrativa interativa clássica (o livro jogo por exemplo) é quase impossível o uso de objetos manipuláveis durante o desenrolar da aventura. Isso porque as opções de ação do leitor ou jogador ficam agrupadas no final do descritor (imagem ou texto) normalmente com uma frase do tipo "O que você deseja fazer a seguir?".

Se o objeto pode ser pego e transportado pelo jogador, como resolver isso sem programação que identifique esse mesmo objeto em um local (ou com alguém) que não estivesse com a sua posse desde o começo da narrativa? Além disso, objetos podem conter ou ser contidos em outros objetos.

Veja o caso de um objeto dos mais usados em aventuras: uma lanterna. Além dela, ainda podemos destacar dois outros objetos: uma lâmpada e duas pilhas. Além desses dois objetos estarem "dentro" do objeto principal (ou objeto container) eles possuem características distintas: a lâmpada pode ter um de três estados - acesa, apagada ou queimada. Já as pilhas podem não apenas "conter" carga elétrica como ter essa carga expressa por uma variável que diminue, conforme a lanterna é usada.

Portanto, o objeto lanterna será plenamente funcional apenas e somente se os outros dois objetos estiverem dentro dele e com as suas características principais disponíveis. Esse tipo de situação não se resolve apenas com a estrutura de decisão por escolha de opções, como num livro jogo tradicional. Até porque a lanterna (e os demais objetos) podem ser "carregados" não apenas pelo jogador, como até mesmo por um outro personagem.

 

Personagens Jogáveis

O grande personagem de uma narrativa ou de um jogo, de um modo geral, é sempre o jogador / leitor, que pode assumir o propagonismo de forma mais direta ou atuar como uma espécie de consciência de um outro personagem. E entendam personagem aqui como qualquer tipo de "ser" vivente.

Os games, de um modo geral, sempre fizeram uso de NPCs ou Personagem Não Jogável (numa tradução livre para o português). São personagens controlados pela própria narrativa, e não por um jogador humano, que interagem com o jogadores para completar missões, dar informações, vender itens ou simplesmente compor o cenário. A grosso modo, eles não tem necessidade, numa narrativa interativa, de "circular" pelo cenário global, mas se assim for desejável, mais uma vez a estrutura de decisão por escolha não consegue resolver esse problema.

Mas uma vez somos obrigados a lançar mão de algum grau de programação, para inclusive definir se esses personagens pode atuar de forma definitiva na aventura, portar objetos (e usá-los) ou mesmo ser intercambiáveis com o próprio jogador.

 

Conclusão

Como podemos ver até aqui, a evolução de uma narrativa interativa ou mesmo a sua sofisticação de possibilidades vai exigir, em maior ou menor grau, a presença de programação. Nosso objetivo aqui é prover recursos simples e objetivos para resolver essas questões básicas. E ainda nem entramos nas questões de Inteligência Artificial ou intercambialidade de objetos e personagens em aventuras distintas.

Por enquanto o que for exposto neste livro digital já dá pra fazer experimentos interessantes e inusitados. Basta querer fazê-los.