Antes
de começar a criação da sua própria
aventura temos que conversar sobre algumas coisas. Primeiro para
você entender do que exatamente estamos falando e que tudo
isso que está aqui neste e-book não
nasceu ontem. É fruto de mais de 40 anos
de tentativas, erros, acertos e muito suor (nos dedos).
Chamaremos
de aventura interativa, daqui para frente, uma
narrativa que tem por objetivo "contar uma história".
Mas não contada num sistema linear, como nos livros impressos,
ou seja, é muito mais do que isso: é o leitor podendo
influir (e não apenas ler) no enredo da história que
está sendo sendo apresentada.
E como todo bom livro, essa narrativa pode ser construida apenas
com texto, apenas com imagens ou com uma combinação
dos dois. Tá parecendo os famosos livros de aventuras,
ou livros solo, que fizeram um grande sucesso nos
anos 70. Umas das razões disso é
que o livro jogo deixou de ser apenas um livro
comum e passou a ser um livro interativo e isso foi uma inovação
e tanto.
Mas
não vamos parar apenas nisso e vamos dar um passo à
frente: o leitor da nossa aventura (ou livro) pode manipular objetos.
Como assim? Na estrutura do livro jogo, apenas
a leitura permite a interação com a narrativa. No
sistema que estamos começando a conhecer aqui é possível
ter objetos que transpõem as páginas
e podem ser adquiridos, trocados, comprados, etc. O narrador (você)
é quem decide o que vai acontecer.
Eu
poderia ficar falando mais sobre as possibilidades, como intercambiar
objetos entre aventuras, ou introduzir personagens autônomos
ou mesmo um pouquinho de Inteligência Artificial
nas suas histórias, mas ainda é cedo pra tudo isso.
Vamos no básico por enquanto.
O
foco aqui é: vamos contar uma história e ela vai ser
interativa. Comece pensando justamente sobre isso: o que eu quero
contar? Quais elementos culturais, folclóricos, do dia a
dia, pessoais, etc, que eu quero expor no formato de uma aventura,
que leve o leitor a vivenciar algo que pode agradar, ser útil
de alguma forma ou simplesmente instigá-lo a pensar sobre
si mesmo, sobre os que o rodeiam ou sobre o mundo em que ele vive?
Gosto
de pensar que tenho coisas do meu meio que curtiria compartilhar
com o resto do mundo. Muito mais do que simplesmente reproduzir
uma cultura que não é a minha ou que dela tenho apenas
referências comerciais.
Aventuras
Na Selva – o começo de tudo
No
começo dos tempos digitais, anos 80, quando
a computação pessoal tornou-se uma realidade palpável
e era possível ter um micro computador dentro de casa, fui
um dos tantos que foram picados pelo mosquito da curiosidade: desvendar
esse lance de computador era uma coisas irresistível.
Ter
um computador foi o primeiro passo. Aprender programação
foi o segundo e nada mais prático do que aprender fazendo
e fazendo jogos principalmente. Eu queria fazer não apenas
uma aventura interativa mas algo que fosse essencialmente
brasileiro (e ser em língua portuguesa) e que qualquer pessoa
no mundo reconheceria sobre o que eu etava falando. Selva amazônica
foi o tema que me veio à mente logo de cara e Aventuras
Na Selva me pareceu o nome mais apropriado.

Nem
vou falar sobre as noites sem dormir, tentando resolver aspectos
técnicos do jogo. Também não vou mencionar
o quanto era difícil criar um programa um pouco maior que
o normal, num computador que mal tinha espaço para algumas
dúzias de instruções. Mas a alegria de chegar
ao final e tudo funcionar como previsto foi algo que a gente guarda
pro resto da vida.
Mais
tarde no tempo o Aventuras ganhou uma versão
mais elaborada, por conta dos computadores modernos que dispunham
de mais recursos, em especial a memória interna, para que
os jogos pudessem ganhar mais fases, mais elementos e mais conteúdo.
Ainda assim, tudo feito em modo texto.
Sistema
Editor De Adventures
Rebatizado
como Amazônia, fiz versões do jogo
para micros compatíveis com TRS 80 modelo
3, MSX, ZX Spectrum
e IBM PC. Isso só foi possível porque
desenvolvi, junto com essa nova versão de jogo, um sistema
para a criação e edição de aventuras
interativas. Tudo isso começou portanto no longínquo
ano de 1985.

Nem
gosto muito de lembrar que as primeiras versões foram catastróficas,
pra dizer o mínimo. Na minha insana teimosia por não
gastar memória com o editor, para sobrar mais espaço
para os jogos, optei por um sistema cujas instruções
eram mnemônicos, muito parecidos com os da linguagem Assembly
(que eu tanto gostava de usar). Não preciso nem dizer que
"lembrar" desses menmônicos e de seu significado
era um martírio.
 Isso
me levou a adotar uma estratégia parecida com a linguagem
Basic, muito comum nos computadores da época.
Ou seja, ao invés de usar prt (por exemplo)
para colocar alguma informação na tela, eu passei
a usar print, ou display ou show,
mas todas facilmente percebidas com o propósito operacional
de cada uma.
O
Editor seguiu evoluindo e a sua versão 3.4
dos anos 80 foi uma das mais sólidas, inclusive
foi comercializada por uma softhouse famosa na época. Na
segunda metade dos anos 80 criei a versão
4.5, para dar suporte a um adventure sobre a Pedra
da Gávea, com texto e ilustrações.
Já no final dos anos 80 estava pronta a
versão 5.0, com suporte a shapes e animações,
para a construção do adventure Angra-I
A
evolução do Editor no PC
foi bastante intensa, como parte do conteúdo do site TILT
online, que iniciou suas publicações em 1997.
Mas a estrutura em blocos, que foi determinante nos anos anteriores,
já tinha esgotado seu potencial.

Os
computadores estavam mais velozes, tinham mais recursos gráficos
e principalmente mais memória. Estava na hora de reformular
tudo.
Projeto
Zeus
A
primeira grande inovação a ser implementada foi a
estrutura de escripts como descritores de locais,
objetos, situações, etc. Estávamos entrando
na era da internet e fatalmente isso introduzia pensamentos "sombrios"
na mente do meu lado programador: o jogo deveria ser um pacote completo,
zipado e possivel de ser baixado ou o jogo buscaria (no site) um
script atualizado, sempre que solicitado pela ação
do leitor ou jogador?

São
duas pequenas diferenças, mas que abrem um potencial gigante
em termos de soluções para as narrativas e o único
modo de saber qual o melhor caminho a seguir era tentar. E assim
foi feito, com ambos os modelos.
Nem
dá pra ficar falando aqui sobre o que cada teste de modelo
resultou mas era divertido fazê-los e comparilhá-los
com os leitores da TILT online. Foi criado todo
um ecosistema em torno do Zeus e de certa forma,
testar as possibilidades era até mais diveretido do que fazer
os jogos propriamente ditos.
Mas
o essencial, para que um sistema se sustente, são os jogos
feitos nele e isso era imprescindível para manter o projeto
sempre atualizado.
Micro
Aventuras
Por
volta de 2011, um grupo de amigos resolveu criar
o que seria uma versão digital da revista Micro Sistemas,
grande sucesso editorial de informática nos anos 80
e, como não podia faltar, uma das minhas "obrigações"
era ter um projeto aberto de criação de jogos, como
nos velhos e bons tempos da revista impressa.

Dito
e feito. Criei o sistema Micro Aventuras que uniria
toda a estrutura de scripts do Zeus, mais a edição
online em tempo real e, o que eu considerava o mais importante:
processamento remoto, dando como resultado uma página HTML
padrão.
Ou
seja, da noite para o dia as aventuras interativas poderiam ser
lidas/jogadas em qualquer equipamento portador de um navegador e
acesso à internet. Celulares, notebooks, notepads, kindles,
computadores desktop com qualquer sistema operacional instalado,
smart tvs, chuveiro elétrico e até geladeira, desde
que acessassem a internet. Era uma verdadeira inovação.
O
projeto de reviver a Micro Sistemas não
foi adiante, sequer vendo a luz do dia mas o Micro Aventuras
estava lá, prontinho e bom demais para ser deixado de lado.
Seu destino foi ser incorporado ao conteúdo formal da TILT
online e a partir desse ponto houve uma dedicação
minha quase integral às narrativas e aventuras criadas com
esse sistema.
No
entanto algumas questões ficaram em aberto até por
conta das características inovadoras do sistema. A principal
delas é que uma aventura neste sistema, em resumo, nada mais
é do que um link ou url
e isso traz alguns problemas práticos: nenhuma loja virtual
(store), seja para qual equipamento for, consegue lidar
comercialmente com um jogo que é apenas uma linha de endereço.
No momento que escrevo essas páginas, apenas no Itch.io
foi possível tal feito e já se passarama mais de 10
anos dessa inovação.
Isso nos empurra para um modelo mais exclusivo de comercialização,
uma vez que até aqui, o padrão é ter um arquivo
zip contendo o jogo todo.
Mas
calma, isso diz respeito a "vender" ou "ganhar dinheiro
com" os seus jogos ou aventuras e ainda estamos longe de tratar
desse tema, já que o propósito aqui é ensinar
como fazer uma aventura interativa. Ficar rico
com ela depende essencialmente dessa aventura existir,
então vamos em frente.
Gênesis
- Primeiros Passos
No
final de 2019, convencido por amigos, topei fazer
um relançamento do Amazônia, em todas
as mídias que ele havia sido produzido ao longo dos quase
40 anos dele (até então). Mas é
claro que algo de novo deveria integrar o pacote e para isso pensei
numa versão do jogo com as três principais estruturas
de gameplay: uma versão só texto, com comandos digitáveis
(como nos anos 80), uma versão gráfica
e também comandada por frases (como nos anos 90)
e uma versão apenas point & click como nas versões
do Micro Aventuras, nos anos 2010.
Do
Zeus o sistema Gênesis herdaria
a estrutura local, rodando em computadores PC. Do Micro
Aventuras ele herdaria todas as melhorias na funcionalidade
dos scripts. O pacote zip resultante
serviria para "vencer" a barreira das stores
e, como não poderia deixar de ser, haveria pelo menos um
lançamento de jogo novo a cada semestre.
O
Amazônia foi relançado com sucesso,
o Gênesis foi criado e despertou muito interesse
mas em seguida veio uma pandemia, o que inviabilizou tudo mais que
havia sido planejado. Novamente voltamos ao site da TILT
online, para receber todo esse conteúdo.

O
projeto Gênesis ficou tão complexo, tão cheio
de recursos que, após várias dezenas de lives insinando
a programar nele, foi preciso montar uma versão lite, com
menos recursos de edição mas mantendo o mesmo motor
que impulsiona as aventuras. Nasceu ai o Gênesis 3
e se você quer brincar com ele, após dominar completamente
esse Board-3, basta
clicar aqui
e baixar o pacote zip.
Então
ficamos assim, concluindo depois de quase 45 anos
criando aventuras interativas: é muito legal
essa ideia de processamento remoto, rodável em qualquer device.
Nos desobriga de aprender a programar em diferentes sistemas operacionais,
embora ainda seja um problema comercializar o jogo. Por outro lado,
você pode divulgar a sua aventura em qualquer rede solcial
pois ela é apenas, como foi dito, uma url.
Por
outro lado, a edição do jogo em modo online, como
comprovado no próprio Micro Aventuras, é
bem complicada e para ser eficiente ela precisa ser o mais enxuta
possível. Daí que criar e editar a sua aventura ainda
é mais confortável e eficiente se isso for realizado
num computador desktop.
O
Board-3 é bem
isso: um modo rápido, fácil, simples e descomplicado
de colocar a sua aventura em modo de desenvolvimento,
sem as (ainda) precariedades de uma internet não tão
confiável (como aliás já deveriamos ter).
De qualquer forma, após esses primeiros passos nada o impede
de migrar para o Gênesis 3, que além
de mais robusto, já tem integrado a ele os mecanismos para
portar o seu jogo para o sistema Micro Aventuras.
Só
falta mesmo o principal, ou seja, a sua aventura interativa. Mãos
à obra, então.
Em
tempo: ah, mas tem que saber programação,
não é? Sim e não. A menos que você seja
contratado por uma grande ou média empresa de games, para
integrar uma equipe de artistas, narradores, técnicos de
som, músicos, e demais especialidades, você terá
que saber um pouco de programação ou pelo menos saber
como um processador funciona.
Por
outro lado, toda a programação necessária para
criar aventuras interativas será mostrada,
ensinada, disponibilizada, etc. Não saber programar não
será um impedimento. E tem um outro lado que talvez você
não conheça, na criação de games: todas
as especialidades necessárias são bacanas mas o domínio
da programação é a única que lhe dá
o verdadeiro domínio do processo criativo.
Além
de ser a parte mais divertida da construção de um
universo prestes a sair da sua imaginação e ir parar
no computador, videogame, celular, tablete, notebook, etc..
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