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Ficção Interativa - rumo ao desconhecido

A busca por uma narrativa que permita ao leitor direcionar a construção da sua dinâmica.

Renato Degiovani06-2017

Antes de expor esse raciocínio é preciso deixar claro um ponto: as narrativas são formas e meios que a inteligência humana usa para contar alguma coisa que aconteceu, ainda que apenas na imaginação de quem a conta. Sob este aspecto, três formatos se apresentam no topo das produções modernas: literatura, cinema e jogos.

Interatividade - capacidade de um sistema de comunicação, ou equipamento, de possibilitar a interação.

Interação - influência recíproca de dois ou mais sistemas, um respondendo aos estímulos do outro de forma a modificar o conteúdo de ambos.

Todo jogo digital (game para simplificar) é uma ficção interativa; nenhum filme é uma ficção interativa bem como nenhum livro se enquadra nessa definição. Tanto os livros quanto os filmes já tentaram, com maior ou menor sucesso, colocar um pé no campo da interatividade ficcional moldando modelos e formatos que permitiriam variar o desenrolar da narrativa de acordo com escolhas do leitor ou espectador. Até a televisão já tentou isso algumas vezes.

O problema, para o insucesso em estruturas rígidas, está relacionado com a quantidade de possibilidades: se forem poucas, o usuário percebe o truque; se forem complexas demais, desvirtuam o propósito inicial. Além disso, não podemos esquecer que o fundamental na interatividade é ser, ou pelo menos parecer, de fato uma escolha do usuário e não uma opção pré programada.

Mas isso irá depender, no caso de ser realmente uma livre escolha, de um sistema de aprendizado que aparentemente ainda não está ao alcance dos pobres mortais e, no caso de apenas parecer uma livre escolha, dispor de uma construção inteligente que não apenas engane o usuário, mas permita a crença concreta no sistema.

Sucesso na década de 70, os Livros de Aventuras abriram espaço para narrativas interativas.

Vale relembrar que foi na década de 70/80 que surgiram os adventures texto como uma espécie de narrativa interativa, ainda que bastante simplificada e mais voltada ao game do que à romantização de um universo. Parente próximo dos Livros de Aventuras (aqueles que o leitor lê seguindo páginas em função das suas escolhas, os adventures da era do computador tiveram a evolução da sua mecânica de parsing conversacional ofuscada pelas inovações tecnológicas em termos gráficos e sonoros.

As pessoas não tem mais o hábito/prazer da leitura e assim difícil perceber a beleza de sistemas que reconhecem e processam certas nuances da língua utilizada, tais como pronomes e adjetivos. Tanto é verdade que hoje em dia os melhores parsings estão nos sistemas de busca na internet, à lá Google.

Voltando às narrativas ficcionais interativas, podemos datar seu nascimento lá no tempo das cavernas, quando após a caçada do dia, as pessoas se reuniam ao redor das fogueiras para contar feitos e sucessos, possivelmente com a interferência dos ouvintes. É naturalmente aceitável que nossas lendas e mitos foram se aperfeiçoando aos longo de séculos, com variâncias regionais nítidas.

A invenção da escrita e posteriormente da imprensa, engessou de certa forma as narrativas em modelos estanques. O livro O Sr dos Anéis, impresso hoje, contém a mesma narrativa publicada em 1954. Não existe uma versão na qual o desfecho da aventura de Frodo e seus amigos seja diferente. Não se trata aqui de definir se isso é bom ou ruim, mas da perda de uma qualidade que as narrativas tinham: a dinâmica interativa com os ouvintes.

O cinema criou uma forma ainda mais "reta" de narrar as coisas, uma vez que os estímulos visual e sonoro agem como direcionadores da forma como o espectador "vê" a obra. As narrativas impressas (livros) seriam mais flexíveis a isso porque a "visualização" dos eventos ocorre na imaginação dos leitores.

Nos filmes, imagens excepcionais e sonoridade plástica direcionam a imaginação do espectador.

Esse fenômeno de limitação das possibilidades pode ser visto nos games também, embora eles sejam interativos por natureza. E neles é também a presença forte de recursos visuais e sonoros que mais contribuem para o direcionamento narrativo.

As mídias digitais e o universo criado pela moderna tecnologia de comunicação, em especial a internet, é um campo que pode (e deve) ser explorado em termos de experimentos e inovações no sentido de buscar um resgate da interatividade dentro das narrativas e da liberdade de imaginação, onde os livros, filmes e jogos, seriam apenas o método para induzir o usuário ao seu próprio universo criativo.

Quem sabe ainda estaremos vivos quando o holodeck for finalmente inventado. Ou quem sabe possamos buscar uma solução mais simples, como um holodeck baseado em uma romantização literária digitalmente impressa.

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Renato Degiovani é game designer e produtor de jogos desde o começo da década de 80. Foi editor da revista Micro Sistemas e produz o site TILT online desde 1997.