:: Parte 4

Modelos

É inevitável que, dada a escassez de exemplos no mundo dos jogos brasileiros de computador, sejamos obrigados a olhar para outros modelos de sucesso, fracasso ou nem tanto uma coisa quanto outra. Talvez por comodidade, ou falta de um maior aprofundamento em pesquisas, comumente usamos o cinema para tal finalidade. Talvez devido ao fato de usarmos, em jogos, um termo comum ao cinema: mega produções.

Outros setores da criação cultural, lúdica e do entretenimento também dispõem de mega produções e no entanto delas nem nos lembramos para as devidas comparações. O que proponho aqui é analisar, sob a ótica de um produto cultural de sucesso mundial, o mercado de histórias infantis ou gibis. Em especial, a Turma da Mônica.

Em primeiro lugar o que se pode dizer, quando olhamos para o conjunto da obra e sua trajetória ao longo do tempo, é que o produto em questão nasceu pequeno e cresceu no bojo de um processo que tinha, desde os seus primeiros momentos, a nítida pretensão de se tornar um produto brasileiro mundial e seguir, nos resultados e não no processo, outro grande sucesso mundial: a turma do Pato Donald, da Disney.

O primeiro destaque que faço é: em momento algum deste processo o produto deixou de ser brasileiro ou de espelhar a realidade brasileira. Talvez isso seja importante para todo produto que pretenda vencer no mercado externo: identidade clara e nítida das suas origens, afinal, assim como é esquisito e falho um americano escrevendo estórias sobre o Brasil (colocando ainda nossa capital como Buenos Aires), também é equivocado acreditarmos que dominamos o ideário americano ou europeu e as suas nuances a tal ponto de vencê-los comercialmente em seu próprio território, usando a tecnologia que eles inventaram e sem a mesma capacidade de investimento. Nem os japoneses conseguem isso.

Por outro lado, a turma da Mônica nos mostra que é possível sim conquistar o mundo. Desde que essa conquista parta de bases sólidas e o produto tenha características tais que não sofra concorrência direta e aberta de nenhum outro modelo. Também fica evidente, quando olhamos para aquela simpática personagem, que o seu amadurecimento como produto não deixa clara ou explícita nenhuma artificialidade.

Temos outros exemplos, aqui mesmo no Brasil, onde a artificialidade e a crença exclusiva no planejamento amplo resultam não necessariamente em fracasso, mas num produto de resultados duvidosos. É o caso, por exemplo, do personagem Senninha, que foi planejado (por psicólogos, educadores e psico pedagogos) para ser um exemplo de herói imaculado para a garotada. Esse tipo de modelo de produção quase sempre despreza o ponto mais importante de todo sucesso comercial: a empatia que o produto tem que ter, com seu público consumidor.

Pode ser relativamente fácil, embora caro, transformar um produto que está afinado com o gosto popular de seu mercado, numa mega produção. Mas é infinitamente mais caro e mais difícil começar do zero e atingir o gosto popular, a partir de um laboratório de idéias e conceitos que apenas avalia dados e informações (a maioria das vezes tratadas de forma equivocada).

Seguramente podemos imaginar que todos os profissionais envolvidos com produções de histórias em quadrinhos, tanto aqui quanto em qualquer parte do mundo, pretendem de um jeito ou de outro, ser ou resultar num grande sucesso comercial mundial. Somente uns poucos conseguirão, mas isso não impede que todos os outros obtenham sucessos expressivos com suas produções de menor porte ou escala.

Usando esses modelos, podemos então inferir que existe espaço para um jogo brasileiro de computador atingir o status de sucesso comercial mundial. Mais ainda: podemos imaginar que existe espaço para produções médias e pequenas e é justamente daí que pode sair o tal mega sucesso.

O convite que faço a você, leitor, é olhar para o mercado dos gibis infantis, considerar e entender como ele se relaciona com seu público consumidor e tentar extrair daí dados e informações úteis para os seus projetos. Ainda que os resultados não sejam expressivos, o exercício é pelo menos divertido (a menos que não goste daquela adorável dentuça ou dos planos infalíveis de dominar o mundo, bolados por aqueles dois amigos inseparáveis).


Publicado originalmente na TILT online, no início dos anos 2000.

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