:: Parte 1

O dia seguinte

O Plano Color travou o pais como se alguém, num carro em alta velocidade, freasse instantaneamente. Foi o caos total. Nunca vou esquecer os relatórios de vendas dos meses seguintes: primeiro mês: zero; segundo mês: zero; terceiro mês: zero.

Alguma coisa tinha que ser feita e então, com alguma relutância mas forçado pelas circunstâncias, tomei a decisão de esquecer todos os produtos desenvolvidos até aquele momento e concentrar os esforços na linha PC. Se algum computador seria salvo daquele desastre, certamente seria ele e mesmo não tendo tradição alguma com jogos para essa linha, encarei o desafio. O aprendizado de programação teria que retornar à estaca zero.

Foram meses e meses de programação intensa, convertendo os jogos, utilitários, sistemas, etc. Ao mesmo tempo escrevia as bases do novo PRO KIT, um sistema operacional específico para produzir jogos e utilitários no PC.

No final deste processo a grande lição que ficou: não importam linguagens, estruturas, hardwares, ferramentas, etc. Se você domina o conceito funcional dos seus jogos, estará apto a convertê-los ou reescrevê-los para qualquer sistema ou computador.

Se for razoavelmente esperto, você irá criar desde o começo um estilo de programação que permita não apenas evoluir o programa, mas principalmente portar de máquina para máquina sem grandes esforços.

E essa é a grande diferença entre programar e criar um jogo. A criação de um jogo transcende o ato de programar, ilustrar, sonorizar, etc. O ato de criar o jogo é o que dá alma à ideia que se quer compartilhar.

No plano comercial a solução foi retornar ao modelo das vendas diretas, com propaganda nas revistas e produção financiada pelo consumidor. Teria que dar certo novamente e graças aos deuses protetores dos game designers, deu. A minha produção de jogos e utilitários começou a retornar aos patamares anteriores, me permitindo inclusive terminar projetos abortados anteriormente, como o Angra I.

Pela primeira vez, depois de um longo período, comecei a criar jogos novos, tais como o Guerra no Golfo, Nautilus, etc. Sem contar os dois tradicionais adventures Amazônia e Serra Pelada, que agora possuíam gráficos ilustrativos. Meu catálogo de programas para o PC começou a crescer.

No entanto experimentei algo novo neste período: não havia muito mais autores ou produtores desenvolvendo jogos. Não aconteciam mais os encontros pra bater papo sobre as novas ideias, a troca de informações, os amigos, etc. Os dois planos econômicos tinham deixado um legado fúnebre naquelas pessoas. Ninguém queria mais se arriscar ou mesmo investir de forma a começar tudo do zero novamente. Era meio solitário na época e tive que responder varias vezes a perguntas do tipo: por que você ainda vai insistir neste ramo?

Mas o mundo é redondo e mesmo entre os colegas empresários da área de aplicativos comerciais para PCs, comecei a ser visto não mais como o cara maluco dos joguinhos, já que os meus números em termos de vendas e faturamento começavam a superar os deles. Em mais de uma oportunidade ouvi, em nossos almoços de confraternização, comentários do tipo “nossa, não sabia que a área de joguinhos dava tanto resultado”.

Os ventos eram tão favoráveis que a PRO KIT já estava de mudança para instalações maiores e mais vistosa. Iria reiniciar o processo de expandir a equipe de produção e quem sabe deixar um pouco de ser empresário e ser novamente aquele autor/criador de jogos que havia feito o Aventuras na Selva.

E no meio dessa euforia toda, acreditando que havia chegado a hora da onça beber água, tive a inesquecível ajuda do Fernando Henrique, lá pelos idos de 94, com o seu famoso Plano Real. Naquele dia fui dormir com as contas perfeitamente equacionadas e acordei devendo uma fortuna impagável. Os juros para investimentos, que estavam abaixo de 1% saltaram naquela noite para 17,5% ao mês.

Lembro como se fosse hoje, dias antes do lançamento do plano, o FHC falando na televisão como ministro da fazenda, incitando os empresários a investir no pais, pois havia chegado o momento.

Pela terceira vez assistia de camarote e sentindo os efeitos na própria pele, o mundo desabar no negócio de jogos. Acredito até hoje que, nenhuma pessoa, nenhum empresário deste país que tenha sobrevivido a três planos econômicos tenha mais o direito de sequer acreditar nas palavras ou promessas dos governantes. Simplesmente não dá.

Em meio ao caos, no final de 94, surgiu uma proposta que dava pelo menos um certo ânimo de continuar: aos trancos e barrancos, a Sony estava testando o mercado brasileiro no que diz respeito a aceitação do CD-rom como mídia não apenas de música, mas também para jogos de computador nacionais. E através de uma produtora sobrevivente, tive a oportunidade de desenvolver uma versão em superVGA e sonorizada do Amazônia. Ainda não tinha feito nada usando esses recursos e seria mais um momento de aprendizado e estudos.

Além disso, não estava mesmo em condições de bancar a produção de um jogo em CD-rom, com caixinha e distribuição em larga escala. Juntando o útil ao agradável somei duas experiências para mim inéditas até então: ter um jogo produzido em CD-rom, mídia essa que ia ser o padrão para o mercado dali para frente e “levar cano” do distribuidor.

Finalmente eu estava em posição de dizer aos amigos: no que diz respeito à criação, produção e distribuição de jogos brasileiros de computador, eu havia conseguido a proeza de passar por todas as experiências possíveis e imagináveis.

As boas e as ruins.


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