:: Parte 1

No princípio dos tempos...

É curioso perceber como nossa memória nos prega algumas peças. As vezes nos lembramos de acontecimentos nos seus mínimos detalhes e em outras ocasiões... branco total. A minha faz isso sempre comigo.

Lembro como se fosse hoje o dia no qual, indo pegar o ônibus para a faculdade, passei diante de uma banca de jornais onde estava exposta uma edição da revista Nova Eletrônica, com o micro NE Z80 na capa. Isso aconteceu quase no final de 1981.

Imagem MCI - museu da computação

Era lançamento e, seguindo a moda criada em outros países, o micro era oferecido como kit “montável” (afinal era uma revista de eletrônica e não de informática). Como meu histórico com esses kits da NE era de total fracasso, não hesitei e encomendei a versão já montada e funcionando.

Cheque, cartinha e a angustia da espera. Hoje, quem tem menos de 30 anos não faz a menor ideia de como o comércio virtual acontecia naqueles tempos. O consumidor escolhia um produto por meio de revista ou catálogo, enviava um cheque nominal (as vezes ao portador) por carta e aguardava a resposta ou produto por dias, semanas até. O nível de confiança exigido era muito maior do que o de hoje, nas compras pela internet.

E essa foi a minha primeira grande lição no mundo dos negócios à distância: se você for confiável, as pessoas tenderão a confiar em você. Mesmo que pareça um absurdo o modelo comercial que você está propondo, como por exemplo receber antecipadamente pela mercadoria que ainda vai ser produzida.

A expectativa era grande e meus primeiros contatos com o micro foram, digamos, interessantes. Demorei um bocado de tempo até entender como ele funcionava, como os programas funcionavam, como e para o que eu iria usá-lo.

Naqueles tempos e por muitos anos ainda, quando uma pessoa “comprava um computador”, ela levava para casa um equipamento que, ao ser ligado, entrava em uma linguagem de programação simples, chamada Basic. Ou o usuário sabia programar ou copiava o programa desejado de alguma fonte (revista, livro ou fita cassete previamente gravada).

Na prática e para quem morava em alguma capital ou cidade importante (leia-se principalmente Rio e São Paulo), existia o clube da computação da revista Nova Eletrônica, apenas um único livro sobre a programação Basic e uma revista de informática, em seu estágio inicial de existência, chamada Micro Sistemas, cujo conteúdo estava mais voltado para as indústrias e profissionais da área de informática e não propriamente focada no usuário final de microcomputadores.

Eram as únicas fontes disponíveis em português e a literatura estrangeira, em especial em língua inglesa, raramente era encontrada nas livrarias (mesmo nos grandes centros). No final das contas, todo usuário de computador aprendia programação e não foi diferente no meu caso.

Foi durante esse aprendizado forçado que esbarrei nos primeiros jogos de computador. Versões simples de jogo da velha, forca, adivinhe o número, jogo dos 21 palitos, etc.

Aos poucos comecei a perceber que aquela máquina podia ser usada como entretenimento e não apenas hobby de eletrônica. Mais que isso, podia ser usada para produzir coisas ou programas que outras pessoas talvez precisassem ou quisessem e quem sabe, elas poderiam comprá-los. Eu compraria, embora nunca tivesse visto ou tivesse tido notícias de um programa, ou melhor, de um jogo de computador sendo vendido aqui no Brasil.

Já existiam os videogames claro, mas esses mundos não se tocavam. Eram universos separados pois muitos acreditavam que computador era coisa de gente grande, de empresa e não deveria ser usado como um eletrônico pessoal.

Na época, eu havia terminado a faculdade de Desenho Industrial e Comunicação Visual e portanto já estava atuando no mercado profissional, na área de design de produtos e design gráfico. Tinha em mãos todas as ferramentas, conceitos e modelos necessários para olhar para um jogo de computador como um produto comercial.

E foi exatamente isto que eu fiz.


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