Por que nunca teremos uma steam-br?


Nos últimos anos o mercado tem dado provas de que as lojas virtuais são o futuro das vendas. Nesse tipo de cenário, seria viável termos uma loja online que fosse dedicada exclusivamente aos jogos brasileiros? Seria desejável ter isso?

Pensar que nunca teremos uma loja do tipo steam exclusiva para jogos brasileiros talvez seja exagerado pela extensão de tempo implícita, mas até onde a vista alcança, não dá pra ver essa possibilidade se materializando (e dando certo) tão cedo.

No entanto, perguntaria um devoto desenvolver do gamemundis: para que a gente vai querer uma loja exclusiva br, se o negócio que dá dinheiro é vender em lojinhas mundiais? Não é à toa que a modinha é dizer: faça o jogo pensando no mundo e não onde você mora.

Ocorre que onde a gente mora existe um mercado consumidor latente gigantesco à espera de produtos que lhe despertem a atenção. Não fosse isso o bastante, não existe nada parecido com um grupo de jogos em pt-br que tenha feito sucesso expressivo por essas bandas, há mais de décadas (já houve). Some-se também a isso o fato de que a internet (e o consumo de jogos) só cresce.

No entanto, o núcleo mais expressivo da produção de jogos no Brasil ainda sonha com algumas coisas um tanto quanto defasadas, a saber:

1- muita gente ainda acredita que só a produção de um jogo do tipo AAA em terras brasileiras daria a credibilidade necessária à nossa pequena (mas intensa) indústria nacional. Vale lembrar aqui o que diz o ditado popular: não é o tamanho que importa mas sim a diversão que proporciona.

O Brasil não é o melhor lugar do planeta para investimento em produção intelectual/cultural de grande porte. Do elevado custo operacional das empresas até o descaso e falta de conhecimento de setores do governo e grande imprensa, o que vemos por aqui é que uma produção dessa natureza só faria sentido se houvesse uma provocação maior do que apenas atuar no mercado.

Além disso, todas as grandes franquias AAA nasceram de pequenas produções, que, testadas no seu mercado de nascimento, demonstraram potencial para investimentos de grande porte. Para isso é necessária a existência de uma cultura de produção local num formato mais para o experimental do que para o feijão com arroz que é uma das marcas registradas dessa nova geração de produções nacionais.

2- outra crença comum é aquela que estabelece a produção do jogo pensando no mundo todo como mercado consumidor e nesse caso o jogo precisa ser em inglês, já que o português não é uma língua de expressão mundial.

Embora a expressão do mercado mundial seja verdadeira, isso não significa que o mercado pt-br não exista ou que as pessoas simplesmente aceitarão a versão em inglês, na falta da versão em português, apenas pela origem do jogo. É justamente o contrário, ou seja, na falta da versão pt-br, o tal jogo será apenas mais um jogo estrangeiro entre milhares de outros semelhantes e, pior de tudo no quesito consolidação de uma marca, se for de alguma forma apresentado como jogo br, é bem provável que as críticas serão recheadas de comentários negativos. É uma resposta quase que automática, como se os produtores estivessem traindo a sua origem ou pior nem dessem atenção devida a esse mercado.

As pessoas comuns compram jogos (ou itens de jogos) porque isso lhes dá prazer. A diversão delas é jogar e a língua é uma barreira importante. Quanto maior for o conhecimento de inglês, necessário para extrair diversão de um jogo, mais o jogo encontrará dificuldades no Brasil. Faça um teste simples, pra confirmar: entre numa locadora de vídeo e pergunte qual é a preferência das pessoas, em relação aos filmes: som original apenas, legendado ou dublado. Isso pode ser comprovado pelo interesse cada vez maior das grandes produtoras de jogos em “localizar” seus títulos para pt-br.

3- há uma crença generalizada no Brasil de que tudo é fácil de fazer e que todo mundo sabe de tudo, o tempo todo. Não é à toa que somos um país de 200 milhões de técnicos de futebol. Mas na verdade do dia a dia, os sucessos são construídos com muito esforço, trabalho, dedicação e quase nunca acontecem da noite pro dia, mas como fruto de um processo lento e constante.

Nesta questão de mercado produtor de jogos, a simples menção do br já causa um certo desconforto, baseado na premissa do tudo ou nada, ou um ou outro e não é esse o caso. O mercado exclusivamente br pode (e deve) ser abordado independente da abordagem mundial. Não se trata de duplicar esforços, com resultados diferentes, mas de aproveitar oportunidades importantes.

Se esses pontos ou aspectos podem ser contornados, já que não são definitivos, por que razão então seria inviável uma steam-br exclusiva?

Para uma loja exclusiva fazer sucesso por aqui (cito isso deixando bem claro que é apenas um ponto de vista e não necessariamente a expressão da verdade), seria preciso a ocorrência de 3 fatores importantes: um nome de peso, alguns jogos reconhecidamente nacionais (e aceitos como tal) e a aceitação do mecanismo por parte de uma comunidade produtora a ponto do mecanismo se auto alimentar (exatamente como o greenlight da steam faz).

Nome de peso – não temos um nome representativo no mundo dos jogos, quer seja empresa, quer seja autor. No caso da Steam o nome implícito é o da própria Valve (criadora da loja), conhecida mundialmente por títulos como Half-Life, Counter-Strike, Portal e vários outros. Não adianta elencar a empresa nacional X ou Y. São conhecidas sim, mas apenas dentro do segmento produtor e seu entorno, não configurando expressão massiva de público potencial (não é à toa que todas elas reclamam que não conseguem resultados expressivos de venda dentro do próprio br).

Jogos reconhecidamente nacionais – não há no momento nenhum título expressivo que passe a ideia de produto original brasileiro, embora isso já tenha sido uma característica importante no mercado nacional até meados de 2007/2008. De lá para cá aumentou substancialmente a qualidade e a quantidade dos jogos, porém sem nenhum destaque neste quesito (uma vez que passou a dominar a doutrina do “faça em inglês, para vender no mundo todo”).

Neste ponto é preciso ter em mente que um jogo totalmente em inglês não é percebido pelos consumidores como um produto genuinamente brasileiro. Isto não tem nada a ver com qualidade, com tipo de jogo, tamanho, importância do produto, etc.

Aderência de mais produtores – este terceiro ponto é basicamente dependente dos outros dois, porque sucesso atrai sucesso. Independentemente disso, é necessário, para o movimento inicial, um certo desprendimento por parte das pessoas envolvidas no sentido de atender ao interesse de todos os envolvidos.

Obviamente que não podemos chegar até esse ponto sem pelo menos dar uma espécie de proposição ou modelo supostamente viável. Então lá vai...

O nome de peso, representativo do mercado produtor, talvez pudesse ser contornado por um conjunto de elementos distintos (empresas ou pessoas) que somem à uma iniciativa de âmbito amplo. Quem sabe dessa união possa surgir não apenas um produto próprio, mas a semente de uma ideia específica para atuar no mercado brasileiro.

Jogos, ou ainda que apenas um jogo, reconhecidamente verde e amarelo é a parte mais complicada da equação, porque ela não depende apenas da vontade ou interesse das pessoas envolvidas, mas sim de vários fatores externos, como por exemplo ser aceito como tal pelo mercado consumidor. Produzir e promover esse tipo de produto, hoje em dia, é um desafio e tanto.

Aderência de produtores – essa é parte mais fácil. Depende basicamente dos interessados conversarem entre si e deixarem de lado suas possíveis picuinhas. É um processo de aceitação mútua que exige duas coisas: disposição e maturidade.

No final das contas, depois de debater, pensar, retrucar, etc, sobrarão apenas duas opções na mesa: ou é possível/viável/interessante a existência de uma loja steam-br exclusiva ou não é possível/desejável.

Por que razão exclusiva? Primeiro porque não faz o menor sentido, nos tempos atuais, criar um loja tipo steam aqui no Brasil para vender os jogos que as steams (e demais appstores) vendem. Elas já existem, funcionam e de fato atingem o planeta todo.

Segundo porque nas lojas mundiais, ainda que venha a existir uma seção exclusiva br (coisa difícil de acontecer), ela não teria o destaque suficiente e necessário para se tornar um ponto de visitação obrigatória e referência para o consumidor nacional.

O que precisamos no mercado nacional é um mecanismo simples, direto e claramente dedicado a jogos em língua portuguesa (e apenas a eles), para que a especificidade seja justamente o diferencial do produto.

Bem, se chegou até aqui é porque tem interesse no assunto e se tem, não deixe de debater essas ideias. Elas podem não ser corretas ou não demonstrarem viabilidade de implantação. Mas, vai que seja o contrário. Você arriscaria ficar de fora de uma coisa dessas?

Embora pareça que eu não apoie ou acredite numa loja exclusivamente br, torço para estar totalmente enganado a este respeito e para que apareça alguém ou alguma iniciativa que me prove o contrário.

Obs: (set/2014) este texto foi escrito no final de 2013, começo de 2014 quando jogos como Cangaço e Aritana estavam em desenvolvimento e a loja SplitPlay não tinha sido anunciada ainda. De certa forma isso torna o debate ainda mais interessante, pois já existem parâmetros para avaliar o que deu certo, o que não deu e o porque disso tudo.