Entrando no clima

Este texto foi escrito para inaugurar a TILT online, em fevereiro de 1997.

Esqueça tudo o que já leu e ouviu sobre criação de jogos em computador. Se você é do ramo (entenda-se: chegado em um game) e quer ir além do simples ato de jogar, não clique no botão de avançar do seu navegador, antes de ler este "pequeno" texto.

No começo foi mais ou menos assim: não dava para evitar, afinal estava tudo lá mesmo. O micro, o monitor, o teclado e, quem sabe até mesmo um joystick. Então, como resistir à tentação de rodar um "joguinho" só para ver como funcionava a coisa? É como na vida real: depois da primeira vez fica impossível não querer mais. Quando você percebeu, já havia se transformado num "fissurado em games". Estou certo ou errado?

Bem, se estou certo (e tenho certeza disso) vamos em frente. Depois desta iniciação você se tornou um jogador freqüente. Fala o mesmo idioma que a maioria dos usuários de micros (a garotada, melhor dizendo) e, de vez em quando, até se arrisca a quebrar um ou outro recorde.

Ainda estou acertando? Continuemos então... Você tem acesso aos lançamentos do mercado (via internet, claro) e nota que a qualidade dos jogos vem aumentando muito. São produções de fazer inveja ao cinema. É ou não é? (pelo menos em relação ao cinema tipo B). Você está tão entusiasmado com esse ramo da informática que começa a imaginar o dia em que os jogos saltarão do vídeo para a tridimensionalidade da sua casa - refiro-me àqueles papos de holografia, realidade virtual, inteligência artificial, etc, etc, etc.

Mas, enquanto tudo isso não acontece você vai se divertindo mesmo é com as novidades que aparecem. Está achando que isso é pouco? Considera que alguns jogos poderiam ser melhores, mais bem resolvidos? Já esgotou a sua paciência com aquele jogo... paciência, do Windows, e quer algo mais fantástico, mais emocionante? Não quer esperar pelo ano 2050, quando então os jogos serão reais (ou quase isso)?

Você só tem uma saída: faça você mesmo o seu maravilhoso jogo. É fácil! E tem mais: é muito mais divertido do que jogar - já pensou no sucesso que faria presenteando um amigo com um game feito por você mesmo?

Já sei, está achando que não é capaz e que seu conhecimento sobre programação não é suficiente nem para começar. Concordo com você e ainda digo mais: numa escala de 1 a 100 a sua nota, como autor, seria negativa em pelo menos 50 pontos. E sabe por que? Você pelo menos já tentou escrever um jogo em computador (não vale aquele de adivinhar o número)?. Já?? Não???

Não importa, pois se você tivesse tentado algo e se tivesse algum resultado, a tribo inteira dos micreiros já estaria sabendo pelo menos o seu nome. É isso mesmo: quem cria jogos de computador atinge os "píncaros da glória" (gostou dessa??? então o que está esperando para ler este artigo com um pouco mais de atenção?).

Bem, vamos lá (espero que já tenha me perdoado pela nota negativa). Diga para você mesmo: EU VOU CRIAR UM JOGO DE COMPUTADOR (o pessoal da TILT vai ajudar só um pouquinho). Note que não falei em prazo e nem foi especificado que tipo de jogo você DEVERÁ fazer. A escolha é toda sua. Vá em frente e escolha um tema.

Já escolheu? Ainda não? Estou esperando... Muito bem, seja lá o que você queira fazer o seu segundo passo para o sucesso já foi dado (o primeiro passo foi aguentar a leitura deste texto até aqui).

Agora que noventa por cento do jogo já foi feito (é isso mesmo) então vamos descansar um pouco e bater um "papo sério" sobre programação. Já sei, você nem sabe o que é isso, não é mesmo? Sorte sua, pois assim você não perderá seu precioso tempo tentando fazer um programa acadêmico e que no final resulte numa chatura de torrar o cérebro.

Conhecimentos sobre linguagens de programação, de baixo e de alto nível serão bem vindos (mas não se desespere pois nada na vida é essencial, a não ser um montão de coisas).

Você conhece e domina Assembler e C++? Gênio, fantástico, sensacional, etc. Você é um cara de sorte, ou louco, ou ainda ambas as coisas. Tá bom, eu estou brincando e fazendo piadas (meio sem graça, reconheço), mas isso tudo tinha um só objetivo: convencer você de que é uma experiência maravilhosa conseguir criar um jogo, do começo ao fim. Sentir que, independentemente do grau de conhecimento técnico que possua, pelo menos um jogo você "deu conta" de executar, ainda mais com as ferramentas e programas de que dispomos hoje em dia.

E, para fazer um jogo do começo ao fim a primeira coisa a ser feita é decidir fazê-lo. Gostou dessa? É isso mesmo. Se você chegou até aqui e quer continuar, então não perca mais tempo, acomode-se melhor em sua cadeira, relaxe e vamos dar um passeio pelo fantástico mundo da criação de jogos em computador (agora é pra valer).


Um pouco de bom senso ajuda

Em primeiro lugar, você precisa certificar-se que já superou aquela fase de achar que irá criar o melhor jogo da década. Não vai e vou explicar os motivos.

Um jogo comercial é produzido por equipes que chegam a ter dezenas de profissionais altamente qualificados. Além disso eles ganham para fazer esse trabalho e tem todo o seu tempo disponível para realizar as etapas necessárias à criação propriamente dita. Tenho certeza que seu caso não é o de competir com esse pessoal, não é mesmo? Então o que nós, pobres mortais terceiromundistas, podemos fazer? Desistir?. A resposta é um redundante NÃÃÃÃOOOOO!!!!!!

Os produtores comerciais dispõem sim de estruturas grandes e complexas, equipes treinadas e todos os tipos de equipamentos possíveis e imagináveis. Isto implica em um vultoso investimento (grana, dinheiro, cacau, money, etc). Então, esse pessoal não pode errar, ou seja, quando eles produzem um jogo o dito cujo TEM QUE fazer sucesso (sucesso = vender muito = faturar muita grana).

Os termos desta equação são tão grandes hoje em dia que, para evitar uma furada, é preciso gastar mais grana ainda pra convencer todo mundo que aquele lançamento é mesmo uma maravilha. Vale matérias em revistas e jornais especializados, paparicar jornalistas e analistas, ganhar concursos, aparecer na TV, etc, etc, etc. Isto chama-se marketing. Da próxima vez que ler "maravilhas" sobre um determinado jogo considere que alguém pode estar "embarcando na canoa" sem nem saber.

Este não é certamente nosso caso. Queremos apenas e tão somente escrever um joguinho como entretenimento e, quem sabe até, receber alguns elogios dos colegas. E já que este é definitivamente o nosso caso, vamos lá.


Em primeiro lugar...

...não complique, simplifique. De nada adianta tentar escrever a saga do rei da babilônia, com um milhão de efeitos sonoros e gráficos se você não tem tempo para isso (vamos chamar nossa ignorância de falta de tempo, tá legal?). Pense em algo mais simples, por exemplo um quebra-cabeça (quando você parar de rir, continue a leitura só mais um pouco).

Outro dia, ao visitar uns amigos, encontrei-os tentando resolver um quebra-cabeça meio sem graça. O jogo era realmente bobinho, mas o que fazia sucesso era uma foto digitalizada, dividida em diversas partes, que ia sendo apresentada conforme o jogador resolvesse cada quebra-cabeça. Se demorasse muito na resolução, um determinado pedaço da foto sumia. Acho que nem preciso dizer que, na verdade, o sucesso mesmo estava na garota nua da foto. Pelo menos eu acho que era isso pois até hoje eles não resolveram todos os quebra-cabeças e portanto...

Isto nos mostra que, além de mulher nua fazer muito sucesso e ser apreciada pelos marmanjos, não é propriamente o jogo que prende o jogador, mas o que ele traz implícito em sí mesmo.

Lembro de um jogo do 21, que era fantástico. Não o jogo propriamente dito, mas como ele foi resolvido. O 21 é aquele famoso jogo onde existem 21 palitos e cada jogador (humano versus computador) pode retirar até três. Ganha quem retirar os últimos. O jogo em questão havia trocado palitos por robôs (seu nome era Andróide NIM). Um robô especial se encarregava de eliminar os robôs retirados do jogo, usando para isso uma pistola laser. A graça estava na animação, produzida com efeitos especiais.

Voltando ao nosso assunto, não faça economia cerebral e dê uma boa balançada em sua cabeça. Tente fazer o cérebro "pegar no tranco" e comece a rabiscar idéias, nomes de jogos, brincadeiras, etc. Tudo o que você achar engraçado deve constar desta lista - se você teve infância, ou se ainda está nela, tente se lembrar das brincadeiras. Algumas podem até resultar em bons jogos.

Outra coisa, não pense que jogos como batalha naval, velha, forca etc já estão mais mortos do que vivos e nada mais tem a nos oferecer, a não ser num museu do software. Nada disso.

Não faz muito tempo que um jogo, chamado ARKANOID, fazia o delírio da galera. Sabe quem é esse jogo? O velho paredão, tipo telejogo Philco da década de setenta. Pois então, vê como ainda tem muita coisa pra fazer?


Comece pelo começo

Tente organizar melhor suas idéias. Escreva tudo o que lhe vier à mente. Faça esboços, rabiscos, etc, etc, etc. Mas lembre-se sempre que, antes de iniciar a fase de programação, você precisará ter realmente decidido o que irá fazer. Já vi muitos "autores", depois de perderam meses de trabalho, chegarem a conclusão que o resultado não passava de uma droga, quando chegavam a algum resultado.

Se já passou por tudo isso e ainda está disposto a trabalhar, então comece a pesquisar os produtos que o mercado lhe oferece para auxiliá-lo na fase de programação. Existem diversos programas que são, na verdade, editores de jogos. Eles alcançaram um desenvolvimento incrível nos dias atuais e não se pode mais abrir mão de um punhado deles. Descrevê-los aqui nos obrigaria a estender este artigo por mais uns mil megabytes e não é esse nosso propósito.

Não querendo usar esses pacotes, parta para a programação propriamente dita. Lembre-se que a escolha da linguagem é o ponto crítico do negócio. Esqueça o que todo mundo diz sobre esta ou aquela linguagem e use uma que, de preferência, você conheça razoavelmente bem.

Se nunca teve contato com o assembler, esqueça-o. Se nunca conseguiu entender C, ignore-o. Se só o que você sabe é Basic ou Pascal, bem..., o Delphi está deixando muita linguagem nobre no chinelo. Agora, por favor, Word e Excel nem pensar...


Enfim!

Pois muito bem, você chegou até aqui e nem por isso se sente tentado a criar seu próprio jogo, sorry. É uma pena pois está perdendo uma diversão e tanto e, de quebra, deixando de lado um passatempo capaz de lubrificar os cérebros mais empoeirados.

Caso sua imaginação já esteja rodando a 850 Mhz e o cérebro transmitindo em 56 mil bps, vá em frente e não se esqueça: se precisar estaremos aqui mesmo, neste bat site e neste bat e-mail. Escreva contando suas experiências e descobertas. Quem sabe num dia desses você estará mandando de presente aos amigos um game by você mesmo.

E se perdeu alguma coisa, acabou de chegar de marte ou estava sem poder conectar por causa da companhia telefônica, em nosso club TILT você terá o mapa da mina para recuperar o que ficou para trás.