Aprender de uma forma especial

Este texto foi escrito em 1999 para um site que tratava do uso de jogos no aprendizado e simulações em ambiente de trabalho.

Desde quando o mundo é mundo que o homem busca na diversão e no entretenimento uma forma de fugir das agruras do cotidiano. É praticamente irresistível não recorrer a uma imagem, um tanto quanto "poética", de meia dúzia de pessoas dentro de uma caverna, ao redor de uma fogueira tendo o seguinte diálogo:

"- Muito bem, caçamos diversos coelhos e veados e estamos abastecidos de alimentos por uns dias, afugentamos o bando rival, que tanto nos importunava e já organizamos as tarefas de manutenção da caverna, aumentando nosso estoque de lenha. Portanto, temos algum tempo livre para nos divertir. Proponho brincarmos de caça ao mastodonte, já que nunca conseguimos mesmo pegar um."

É claro que tal raciocínio exigiria um contexto específico, onde os mecanismos de comunicação já tivessem um grau de aperfeiçoamento que é sem dúvida bem mais recente que o "tempo das cavernas". Também exigiria uma estrutura social bastante elaborada e mentes aguçadas, para detectar naquela brincadeira uma forma de aprendizado. Porém, mesmo que fictícia a imagem, quem sabe nosso homem das cavernas já não tivesse consciência de que poderiam, brincando, descobrir pontos fracos do seu velho rival. Mais ainda: poderiam criar, elaborar e testar técnicas de caça bem mais sofisticadas do que aquelas que estavam usando até então, visto que ainda não tinham logrado sucesso.

Será que isso funcionaria na prática? Bem, os tais cérebros evoluídos e as estruturas sociais complexas já existem há um bocado de tempo. A eficiência de tal método não está portanto nas capacidades intelectuais de nossos semelhantes, mas na diversidade e na riqueza de detalhes da simulação. Sim, é disso que estamos falando: testar a realidade num ambiente totalmente controlado.

Os homens modernos fazem isso a bastante tempo, principalmente quando os riscos envolvidos na ação real não podem ser desprezados. Por exemplo? Por exemplo na aviação comercial e principalmente militar. Os pilotos militares passam bastante tempo "jogando" simuladores de vôo e "brincando" de combates aéreos. Mas fazem isso não apenas por que seria uma perda irreparável a morte acidental de um piloto, ou porque os custos envolvidos na simulação seriam menores que na vida real. O fazem porque na simulação recriam-se realidades diversas e totalmente controláveis. Possibilidades infinitas, para ser mais exato.

A popularização do computador pessoal e seu impressionante crescimento, em termos de recursos e possibilidades técnicas, trouxe-nos mais perto desta facilidade. Hoje podemos simular inúmeras realidades, sem sair de casa. Os jogos são exatamente isso, onde ao jogador é apresentada uma situação na qual precisa resolver certos problemas. Sim, normalmente matar e sair correndo, mas não podemos simplesmente rotular os jogos de divertimento de adolescentes apenas por uma de suas características (e nem mesmo a mais importante delas).

Há que se entender que os jogos e os simuladores são na verdade ferramentas excelentes, que podemos usar para o desenvolvimento de novas técnicas, novos procedimentos e principalmente novos comportamentos. Quanto mais séria e próxima do real for feita a abordagem da realidade a ser apresentada, tanto mais eficiente será a interação do jogador.

Ao apresentar situações pertinentes ao nosso universo e elaboradamente convincentes, tendemos a aceitá-las como parte da realidade. E se o jogador aceita-a como realidade, irá se comportar como se de fato vivenciasse tal situação ou experiência.

Todos nós sabemos, por observação direta, que instrumentos mais tradicionais de comunicação, como livros e revistas, estão perdendo espaço junto aos usuários para estruturas e metodologias mais dinâmicas e mais sensoriais (com ênfase na visão), Os jogos e simuladores, graças às suas características de comunicação, podem estar num patamar acima até mesmo da televisão, pois sua mecânica funcional permite uma interação total por parte do usuário.

Podemos extrapolar esse raciocínio para inúmeras atividades, que vão desde o aprendizado científico, nas escolas, até as simulações específicas dentro das empresas. Mas existe ainda um outro aspecto importante no uso dos jogos como instrumento de ensino e simulação: a difusão cultural das sociedades organizadas. Podemos aprender não apenas técnicas e conhecimentos científicos com os jogos, mas principalmente podemos adquirir e aperfeiçoar noções sociais e comportamentais diversas.

Brincando, podemos subir degraus na escada evolutiva e quem sabe, mais cedo do que imaginamos, estaremos acuando e vencendo o mastodonte próprio de cada época.