Nem tudo que reluz é ouro

A primeira metade dos anos 2000 foi bem estranha e não apenas por conta da bolha pontocom. No setor de games, os consoles da época, já estavam "fechados" para a produção independente de jogos; os PCs ainda eram vistos mais como computadores profissionais e menos como uma ferramenta disponível a todos; já davam sinais de vida os primeiros celulares com tela gráfica, mas era um mercado ainda mais fechado que os consoles. E para piorar as coisas, quase 10 anos de vida de internet e nada do mercado utilizar o download como um meio de distribuição viável e desejável.

Embora o mercado de distribuição de mídia física (CDs e DVDs) implicasse numa logística monstro e cara (dadas as dimensões do nosso país), por aqui ninguém parecia muito disposto a apostar no modelo venda por download. O tempo ia passando e as oportunidades iam sendo perdidas.

Em 2002, mais precisamente na GDC daquele ano, a Valve apresentou ao planeta a Steam, como forma de combater a pirataria, minimizar os custos de produção física e prover o mercado de um mecanismo eficiente de correção e evolução dos jogos. Era só pegar o modelo e replicar aqui mas o cenário de produção nacional estava mais preocupado com o mercado europeu, sonhando com o dia que um AAA nacional emplacaria, assim do nada.


Toda a estrutura do site foi refeita.

Embora esse começo de milênio não tenha sido expressivo, em termos de mercado nacional, foi a época que mais produzi conteúdo voltado a jogos, para a TILT online e o club TILT. Olhando para aqueles jogos, e-books e matérias técnicas, tenho uma certa dificuldade em entender como foi possível criar aquelas coisas legais, praticamente sozinho. As vezes eu brinco de dizer que naqueles tempos eu não escrevia programas, apenas psicografava-os.

Mas, até para as coisas mais legais que a gente faz e independentemente dos bons ou maus resultados, chega uma hora que cansa fazer. Quando estava na faculdade, numa conversa informal com um professor de desenho, ouvi ele dizer o seguinte: quem trabalha com criatividade deve aproveitar ao máximo a sua juventude porque depois de algumas décadas ela acaba.

Não tinha ainda completado 25 anos, muito menos entrado pra valer no mercado profissional e portanto tal ideia, para mim, era simplesmente inimaginável. Eu sequer acreditava que um dia iria envelhecer, quanto mais deixar de ser criativo. Mas a verdade é que, querendo ou não, o tempo passa.

Continuo achando, mesmo depois dos 60, que a criatividade não acaba nunca mas a forma como nos comportamos em relação a ela sim. Durante a juventude e nos anos seguintes eu também quis, como os novos desenvolvedores que foram aparecendo e desaparecendo do mercado, fazer o melhor jogo do mundo, o mais divertido, o mais famoso, o mais rentável, etc. Já quis fazer "O" game AAA e claro um MMORPG online multiplayer de mundo aberto.

Para artistas e game designers criar é como respirar.

A grande verdade é que esse tipo de vontade é como resfriado: dá e passa. Se a gente ficar quietinho e não der bola para elas, logo depois vai estar rindo disso porque prosperar e dominar o mercado de games, seja ele local ou global, não tem relação com querer, mas com oportunidades, competências e experiência.

Se há alguma dica ou conselho que eu possa oferecer aos que estão entrando ou pretendendo entrar neste mercado é a seguinte: ao olhar para um jogo que está fazendo sucesso no momento, não acredite por um único instante que ele chegou a essa posição do nada ou instantaneamente. Há uma história por trás de todo sucesso e é essencial não menosprezá-la.


Atenção aos adventures e narrativas interativas.

Nesta época, por volta de 2006/2007 eu queria dar uma parada, como já havia feito outras vezes. Afastar um pouco para ter uma visão melhor do que fazer ou em que direção apostar. E esse afastamento implicava em deixar de lado lançamentos, palestras, eventos e aulas.

Tinha passado minha vida profissional até aquele ponto envolvido com ensino e produção de material técnico sobre produção de jogos, além de ter criado o primeiro curso de jogos, em 1985, voltado para a formação de mão de obra qualificada para as produtoras que queriam apostar, na época, em uma produção original nacional.

Como eu disse antes, até as coisas legais cansam e é preciso recarregar as baterias. Mas, quem tem programação no sangue, não deixa nunca de escrever um código, dia sim e outro também.