Nas portas do novo milênio

O milênio ia começar e promessas de melhores vendas é o que não faltava. A consolidação do Windows como ambiente operacional dominante e a inserção do PC (finalmente) como um mercado consumidor de jogos estavam moldando o formato do mercado a ser considerado dali para frente. Do passado recente vinham duas lições duramente aprendidas: custo reduzido e originalidade.

Nada é impossível para quem persiste porém precisamos ter bastante cautela com o mercado e em especial com o mercado brasileiro de jogos. Há uma demanda gigantesca por bons jogos, mas a questão aqui é determinar o que representa o termo “bom”.


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De um modo geral nosso mercado é altamente receptivo para produtos originais, porém original não significa ser novo apenas no título, nos gráficos, nos sons ou no modelo de jogo, mas principalmente ser novo em termos de conceito e de jogabilidade. A alma do jogo precisa ser nova, senão as chances de fracasso são imensas.

Nosso mercado interno é espinhoso basicamente por duas razões: não conseguimos formar uma cultura de produção e não houve esforço de continuidade suficiente. A grande maioria dos jogos e demais produtos correlacionados aos jogos, que sucumbiram às intempéries econômicas morreram (para sempre) ali mesmo onde caíram alvejados (geralmente no primeiro tiro).

Durante décadas faltou continuidade aos projetos de jogos nacionais.

Vale lembrar sempre que um jogo não é apenas o código, os gráficos ou os sons que o constituem mas a ideia geral que ele transmite ao jogador, como um produto de entretenimento, ao longo de toda a sua trajetória. E somando a isso, tudo aquilo que se disse ou se esperou do jogo, através das mídias (parte esta da qual aliás o autor ou produtor tem muito pouco controle).

Se não entendermos isso, nunca teremos uma indústria realmente participativa por aqui. Ficaremos eternamente condenados a patinar e a repetir os erros do passado, sem no entanto aperfeiçoar os acertos.

Já no ano de 2001 novos e bons ventos sopravam no mercado produtor e as oportunidades começaram a dar o ar da graça. Cursos de pós graduação, investimentos, novos estúdios e novas ideias começaram a circular. Surgiram inclusive investimentos a fundo perdido na ordem dos milhões de reais para produção de jogos.


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Era possível prever dois caminhos a seguir: consolidar o que já havia sido feito e estabelecer as bases e alicerces de uma produção de jogos mais simples (que mais adiante seriam chamados de jogos casuais) ou apostar no topo da pirâmide, naquilo que se convencionou chamar de jogos AAA. Infelizmente a segunda opção, que foi a preferida pela maioria, não resultou no sucesso esperado e dessa vez não foi culpa de nenhum plano econômico.

Ainda hoje, muitos anos depois desses acontecimentos, a maioria das pessoas tem dificuldades em entender que nosso mercado é inóspito demais para riscos de grandes proporções. Ainda não temos lastro comercial por aqui, para esses voos estratosféricos. E talvez nunca venhamos a ter, mas isso não significa que nossa produção é pobre ou sem criatividade, muito pelo contrário.


A TILT foi dividida em várias seções.

Da minha parte optei pelo simples, pelo diferente e pelo casual. Concentrando os esforços na TILT online e no club TILT, nunca produzi tanto e material tão diferenciado em um curto espaço de tempo. Além dos e-books sobre programação, jogos diversos como Moscão Killer, Torpedo, RPG chat, Sistema Editor, The Game Producer, Garatuja, Quebra Cabeça, Tankiller, Lan Strike, Alien Virtual, Aeroporto, Eleições para Presidente, Fungos, Labirinto, Mago das Ervas, Vudugame e inúmeros outros iniciados como projetos editorias para o club TILT.

Embora não tenha sido fácil chegar até este ponto, de um jeito ou de outro havia conseguido acumular uma série de experiências positivas e negativas que me permitiam definir as ações e reações à frente, com alguma segurança. Pelo menos não seria (ou pelo menos eu acreditava nisso) surpreendido por mais nada. Já havia visto de quase tudo, desde grandes sucessos até fracassos retumbantes. De apoios importantes até o simples esculacho na rede mundial, por ser e pensar de um determinado jeito.


A TILT foi dividida em várias seções.

Mas nada me preparou para o que veio a seguir, em 2003. Neste ano, em São Paulo a universidade Anhembi-Morumbi inaugurou, dentro do seu núcleo de cursos de design, um curso para formação acadêmica plena de Design de Games e, por intermédio de seu coordenador Delmar Galisi, recebi um convite formal para ministrar a aula inaugural deste curso, inédito na América Latina.

Não sei como consegui ir e voltar a São Paulo naquele dia. A emoção por este reconhecimento foi tão importante que mesmo agora, anos depois desta aula e décadas depois de começar com os jogos de computador, posso afirmar categoricamente que tudo valeu a pena. Se não pelos sucessos, por apenas esse dia faria tudo de novo, sem mudar uma vírgula.

Bem, uma ou outra talvez eu mudasse.