O dia seguinte

O Plano Color travou o pais como se alguém, num carro em alta velocidade, freasse instantaneamente. Foi o caos total. Nunca vou esquecer os relatórios de vendas dos meses seguintes: primeiro mês: zero; segundo mês: zero; terceiro mês: zero.

Alguma coisa tinha que ser feita e então, com alguma relutância mas forçado pelas circunstâncias, tomei a decisão de esquecer todos os produtos desenvolvidos até aquele momento e concentrar os esforços na linha PC. Se algum computador seria salvo daquele desastre, certamente seria ele e mesmo não tendo tradição alguma com jogos para essa linha, encarei o desafio. O aprendizado de programação teria que retornar à estaca zero.

É preciso fé para recomeçar do zero. Ainda mais quando a economia do país não ajuda.

Foram meses e meses de programação intensa, convertendo os jogos, utilitários, sistemas, etc. Ao mesmo tempo escrevia as bases do novo PRO KIT, um sistema operacional específico para produzir jogos e utilitários no PC.

No final deste processo a grande lição que ficou: não importam linguagens, estruturas, hardwares, ferramentas, etc. Se você domina o conceito funcional dos seus jogos, estará apto a convertê-los ou reescrevê-los para qualquer sistema ou computador.

Se for razoavelmente esperto, você irá criar desde o começo um estilo de programação que permita não apenas evoluir o programa, mas principalmente portar de máquina para máquina sem grandes esforços.

E essa é a grande diferença entre programar e criar um jogo. A criação de um jogo transcende o ato de programar, ilustrar, sonorizar, etc. O ato de criar o jogo é o que dá alma à ideia que se quer compartilhar.


Foi preciso reprogramar tudo, para atender à linha PC.

No plano comercial a solução foi retornar ao modelo das vendas diretas, com propaganda nas revistas/mala direta e produção financiada pelo consumidor. Teria que dar certo novamente e graças aos deuses protetores dos game designers, deu. A minha produção de jogos e utilitários começou a retornar aos patamares anteriores, me permitindo inclusive terminar projetos abortados anteriormente, como o Angra I.

Pela primeira vez, depois de um longo período, comecei a criar jogos novos, tais como o Guerra no Golfo, Nautilus, etc. Sem contar os dois tradicionais adventures Amazônia e Serra Pelada, que agora possuíam gráficos ilustrativos. Meu catálogo de programas para o PC começou a crescer.

No entanto experimentei algo novo neste período: não havia muito mais autores ou produtores desenvolvendo jogos. Não aconteciam mais os encontros pra bater papo sobre as novas ideias, a troca de informações, os amigos, etc. Os dois planos econômicos tinham deixado um legado fúnebre naquelas pessoas. Ninguém queria mais se arriscar ou mesmo investir de forma a começar tudo do zero novamente. Era meio solitário na época e tive que responder varias vezes a perguntas do tipo: por que você ainda vai insistir neste ramo?

Mas o mundo é redondo e mesmo entre os colegas empresários da área de aplicativos comerciais para PCs, comecei a ser visto não mais como o cara maluco dos joguinhos, já que os meus números em termos de vendas e faturamento começavam a superar os deles. Em mais de uma oportunidade ouvi, em nossos almoços de confraternização, comentários do tipo “nossa, não sabia que a área de joguinhos dava tanto resultado”.

Espere pelo melhor mas esteja sempre preparado para o pior...

Os ventos eram tão favoráveis que a PRO KIT já estava de mudança para instalações maiores e mais vistosa. Iria reiniciar o processo de expandir a equipe de produção e quem sabe deixar um pouco de ser empresário e ser novamente aquele autor/criador de jogos que havia feito o Aventuras na Selva.

E no meio dessa euforia toda, acreditando que havia chegado a hora da onça beber água, tive a inesquecível ajuda do Fernando Henrique, lá pelos idos de 94, com o seu famoso Plano Real. Naquele dia fui dormir com as contas perfeitamente equacionadas e acordei devendo uma fortuna impagável. Os juros para investimentos, que estavam abaixo de 1% saltaram naquela noite para 17,5% ao mês.

Lembro como se fosse hoje, dias antes do lançamento do plano, o FHC falando na televisão como ministro da fazenda, incitando os empresários a investir no pais, pois havia chegado o momento.

Pela terceira vez assistia de camarote e sentindo os efeitos na própria pele, o mundo desabar no negócio de jogos. Acredito até hoje que, nenhuma pessoa, nenhum empresário deste país que tenha sobrevivido a três planos econômicos tenha mais o direito de sequer acreditar nas palavras ou promessas dos governantes. Simplesmente não dá.


O Amazônia em CD rom.

Em meio ao caos, no final de 94, surgiu uma proposta que dava pelo menos um certo ânimo de continuar: aos trancos e barrancos, a Sony estava testando o mercado brasileiro no que diz respeito a aceitação do CD-rom como mídia não apenas de música, mas também para jogos de computador nacionais. E através de uma produtora sobrevivente, tive a oportunidade de desenvolver uma versão em superVGA e sonorizada do Amazônia. Ainda não tinha feito nada usando esses recursos e seria mais um momento de aprendizado e estudos.

Além disso, não estava mesmo em condições de bancar a produção de um jogo em CD-rom, com caixinha e distribuição em larga escala. Juntando o útil ao agradável somei duas experiências para mim inéditas até então: ter um jogo produzido em CD-rom, mídia essa que ia ser o padrão para o mercado dali para frente e “levar cano” do distribuidor.

Finalmente eu estava em posição de dizer aos amigos: no que diz respeito à criação, produção e distribuição de jogos brasileiros de computador, eu havia conseguido a proeza de passar por todas as experiências possíveis e imagináveis.

As boas e as ruins.