Narrativa Interativa
Renato Degiovani

Narrativa é um tipo de texto, imagem ou som que conta uma história, real ou fictícia, por meio de um narrador ou foco narrativo e da enumeração de acontecimentos.

Foi no tempo das cavernas, quando as pessoas se reuniam ao redor de fogueiras para interagir e “contar” sobre o dia a dia, que as narrativas “faladas” apareceram e se tornaram a forma mais comum e linear de registrar eventos. Como no ditado “quem conta um conto, aumenta um ponto”, as histórias eram fluidas, ao sabor da interpretação do narrador, no exato momento em que ele a contava.

Séculos depois, o advento dos livros trouxe uma maior rigidez às narrativas textuais, tornando-as lineares, preservando a estrutura: apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho. Ao longo dos anos essa foi a principal formatação das narrativas, sendo elas relatos reais ou aventuras ficcionais. E isso valendo também para as narrativas gráficas, cuja história é contada por uma sucessão de imagens estáticas, comumente 24 quadros por segundo, formando a ilusão de movimento.

Nos anos 60 surgiu uma inovação que quebrou de vez essa estrutura rígida: os chamados livros de aventuras ou livros solo. Neles, a narrativa deixa de ser linear e passa a ser novamente fluida, possuindo alternativas para o andamento do enredo e não tendo apenas um final ou desfecho. Nesses livros foi experimentado pela primeira vez a interferência do leitor na condução da narrativa. Ele deixou de ser um elemento passivo e tornou-se um agente ativo, interferindo as vezes de forma substancial nos rumos das histórias.

Com o advento dos computadores, e por tabela do processamento em tempo real, as narrativas ganharam um segundo elemento de importância capital: os objetos manipuláveis. Parece pouco, mas até então os objetos eram apenas elementos ilustrativos que atuavam em pontos específicos da narrativa. Com os computadores eles ganharam vida e passaram a ser tratados como elementos independentes, podendo eles mesmos ter a sua própria narrativa. Nasceram aí os chamados adventures.

Vale lembrar aqui que os adventures existem apenas nas mídias digitais que permitem interação do usuários e não há como dispor deles em nenhum outro meio de comunicação.

Embora originada na literatura impressa, as narrativas interativas nunca foram essencialmente apenas textos, muito pelo contrário. Desde os primórdios, elas se valeram de imagens ilustrativas para ajudar o leitor/jogador na imersão necessária para melhor compreender as escolhas mais pertinentes, no desenrolar da leitura. Se mais do que simplesmente ilustrações não foram tentadas isso deveu-se às limitações da mídia original, o livro impresso.

Da mesma forma, os primeiros adventures digitais, no final dos anos 70 e início dos 80, eram construídos apenas com texto por conta das limitações dos equipamentos, que careciam de capacidade para reter grandes quantidades de informações e eram desprovidos de resolução gráfica para proporcionar imagens adequadas.

Ao primeiro sinal de evolução técnica, os jogos deste tipo absorveram o que havia de mais moderno sendo inventado. Entraram em cena resoluções gráficas maiores, cada vez mais cores à disposição para compor paisagens impactantes, sons, ambientação 3D e agora estamos entrando na era da inteligência artificial, sendo aplicada e também compondo a estrutura das narrativas interativas.

Seja como for, de uma simples narrativa textual até uma estrutura ultra realista usando óculos de realidade virtual, as narrativas interativas funcionam essencialmente para contar uma história, moldada não apenas pela criação original mas sofrendo o tempo todo alterações do próprio leitor que, desta forma, constrói uma segunda narrativa, agora pessoal, que pode não mais ser replicada, nem por ele mesmo. Esse é o ponto principal que diferencia a narrativa interativa dos demais modelos e estruturas de games.

O enredo não trata apenas de atingir um local ou objetivo, matar toneladas de inimigos, coletar milhares de itens ou destravar fases mas sim vivenciar o processo como se estivesse fazendo parte dele. Dá pra dizer, sem medo de errar, que as narrativas interativas são os modernos romances aventurescos da era da informação digital. Metade programa de computador, metade literatura impressa.

Talvez os chats temáticos sejam a próxima evolução deste conceito, já que os mundos virtuais em 3D, que fizeram um enorme sucesso nas décadas 1990 e 2000 não permaneceram por mais tempo que isso no gosto dos usuários e os experimentos com a realidade virtual, pelo menos via óculos, não tem dado os resultados esperados.

Dá pra imaginar aquelas pessoas, no princípio dos tempos, contando uns aos outros suas peripécias e aventuras, modeladas não apenas pelo humor do narrador como pela resposta e atenção da plateia.

Contar histórias assim ainda é um desafio e tanto nos dias atuais. Você encararia um desafio desses?